...O depoimento do jardineiro não apresentou nada de excepcional, além do já relatado no posto policial, restando a localização da tal cliente daquele homem e esta poderia acrescentar algo de útil para auxiliar nas investigações.
Entrando na sala contígua ao seu gabinete, incumbiu um de seus inspetores, para localizar a referida senhora e convidá-la para uma visita ao Quai. A possibilidade de contar com algo novo que pudesse de alguma forma contribuir na localização do quase invisível estrangeiro, criava no ar um ambiente tenso e de expectativa.
Consultado com um breve olhar um velho relógio pendurado acima da porta de entrada de sua sala, o comissário convidou os seus convidados a acompanhá-lo num breve almoço, pois a espera poderia se estender por um tempo um pouco mais longo. O anfitrião optou por um pequeno restaurante de pescadores, onde as especialidades do mar eram primorosamente preparadas, além do ambiente um tanto rústico de sua preferência. Era frequentado principalmente por velhos marinheiros, que de alguma forma lembrava a Ilha do Éden, um dos locais prediletos para as suas férias.
Era uma casa adaptada e contava com um amplo salão, tendo à direita da entrada, um enorme balcão onde se reuniam os marujos para um trago antes das refeições e dependendo do tempo de espera, alguns se ocupavam com um jogo de dados. O ar que se respirava era uma mistura de bebidas com fumaça de cachimbos e vindo do fundo do salão, um agradável cheiro dos pratos que estavam sendo preparados, predominando o cheiro de peixes assados.
Após se instalarem, Maigret pediu uma rodada de calvados e aproveitou a ocasião para brindar como um gesto de bom augúrio, visando o sucesso das investigações.
Cada um teve a liberdade de escolher o seu próprio prato, embora todos tivessem optado pela entrada de uma saborosíssima sopa de frutos do mar, em seguida a opção por peixes, alguns grelhados e outros assados. Finda a refeição, declinaram do café se todos se serviram de uma generosa dose de licor. Enquanto conversavam calmamente sobre o rumo das investigações, descuidaram-se do passar das horas, causando um sobressalto em todos quando se deram conta do que tinham se excedido no tempo de permanência no restaurante.
A chegada ao gabinete de Maigret foi marcada pela presença de três inspetores excitadíssimos pelo retorno do grupo. O motivo era mais do que justificável, pois tinham informações animadoras, acerca
do paradeiro do senador. Segundo tinham apurado após incansáveis entrevistas nas mais diversas áreas da cidade num trabalho de muita paciência e persistência. Conseguiram obter algumas referências de uma pessoa com as suas características de porte físico e altura, circulando pela região de Montmartre, por incrível que pudesse parecer, já que desde a sua fuga do hotel, era pouco provável a sua permanência naquela região.
Apesar da possibilidade de se tratar de um engano, o comissário e suas equipes concentraram todos os esforços tendo como ponto central o local da sua possível presença e agindo em círculos num sentindo de expansão abrindo o leque. As equipes se espalharam de forma ordenada e sempre em constante comunicação entre todos e a cada período de trinta minutos, enviavam para o comissário.
O inspetor chefe Japp acompanhava tudo de Londres numa expectativa enorme e ao mesmo tempo frustrado por estar alijado e impedido, Não gostava de mencionar, mas tinha um duelo surdo contra Poirot onde sempre que podiam tentavam demonstrar as suas qualidades como superiores, Poirot com a sua organização e método, alinhadas com as tais celulazinhas cinzentas, achando que tudo poderia resolver sem quase sair de seu gabinete. Ele Japp era partidário da ação no campo e se necessário fosse, mesmo que dissimuladamente, fazia vistas grossas para algum tipo de excesso de seus comandados durante as diligências.
Sabia que no final com a prisão do estrangeiro, um grupo especial da Interpol assumiria a responsabilidade da condução do preso até o seu país de origem e a sua vontade era de estar a frente desse grupo, pois o seu cargo dentro da Scotland Yard, poderia lhe conferir essa pretensão. Ainda que soubesse antecipadamente a resposta que teria, mesmo assim, tentou junto aos seus superiores uma autorização para fazer parte desse grupo. A negativa apesar de esperada foi extremamente decepcionante. Mais uma vez se via perdendo um round do grande embate com Poirot, mesmo depois que tudo tivesse terminado, seria difícil suportar a soberba do pequeno belga relatando para os detalhes do caso. Isso o fez lembrar de um fato semelhante num caso que estiveram juntos num crime na Cornualha, onde Poirot com a sua irritante mania de esmiuçar tudo, mudasse os rumos de um caso já tido como encerrado e conseguindo triunfalmente a condenação do verdadeiro criminoso, um próspero e ambicioso comerciante.
A semana que se seguiu foi marcada de muita atividade, relatórios sendo analisados, fotografias de possíveis suspeitos, relatos de informantes, tudo estava sendo minuciosamente analisado e catalogado, formando um extenso dossiê. Ainda com todas as dificuldades, a convicção que tinham era de que dentro de pouco tempo conseguiriam fechar o cerco e finalmente prender o senador...
LC OLIV