sexta-feira, 31 de outubro de 2014

... Não tinha a menor ideia por onde ou como começar, mas não desistiria. A fixação em tentar algo, mesmo sem saber dos resultados, era um sentimento do qual não conseguia se desvencilhar.
Tentou  em vão desviar-se daquela cobrança, mas não conseguia. Sim, algo deveria ser feito ou pelo menos tentado.
Os dias que vieram, foram todos iguais. Passava as noites em claro matutando uma forma de dar início àquela cruzada.
Entabulou mil ideias, mas nenhuma delas resistia a uma análise mais crítica.
Já que não conseguiu depois de algum tempo pensar numa ação mais efetiva e que o melhor direcionasse optou por mais algumas "viagens", pelo menos para a coleta de mais subsídios visando uma ação mais abrangente.
Nos dias que se seguiram, empreendeu vários "passeios medicamentosos", e todos eles sempre tinham como destino final, regiões centrais da cidade.
As expedições, como as chamava, tinham um caráter exploratório.
Nesta fase, o seu objetivo principal era o de levantar o maior número possível de situações que requeressem uma intervenção posterior, no sentido de se não eliminar os problemas, pelo menos torná-los suportáveis ou até mesmo visíveis para as autoridades, que em última instância detinham o poder de erradicá-los.
Em seus deslocamentos, sempre esbarrava com situações de injustiça, degradação, miséria de todos os tipos, e o mais alarmante, a total indiferença das pessoas com esse quadro caótico.
À medida que essas visitas noturnas se davam, algo gritava dentro dele clamando por ações, não importando de que tipo, mas era imperativo que algo deveria ser tentado.
Indignado com a coleta que acabara de ter, e diga-se, a um custo altíssimo para o seu emocional, passou duas semanas tentando se recobrar do impacto que sofrera.
Após uma longa análise de tudo o que vira, surgem os primeiros rudimentos de uma idéia meia quixotesca que estava amadurecendo dentro dele. A de ser ele mesmo o protagonizador das ações que aquele sub-mundo dantesco clamava.
Voltando aos dias de sua infância, lembrou que sempre fora uma criança de baixa estatura.
Embora esperto como um azougue, sempre se sentia inferiorizado perante os amigos por ser baixinho. Ficava possesso quando era gozado pelos colegas.
Nestes momentos o que o acalmava era ir para casa e reler os seus quadrinhos favoritos, os de super-heróis. Tinha uma vasta coleção destas histórias, às quais dedicava um carinho muito especial.
Não era necessário ser nenhum gênio para entender porque.
Era ali no seu quarto que ele  se incorporava naqueles seres supremos dotados de poderes fantásticos e se realizava na companhia  deles combatendo todas as injustiças do mundo.
Ah, que bom seria se fosse ungido com aquelas benesses como que vindas do Olimpo.
Em alguns momentos sentia-se como um semi-deus, capaz de mudar os rumos da história...

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

...Isso mesmo! Essa era a São Paulo da Garoa, hoje a São Paulo dos grandes cinturões de miséria, violência e degradação!
Uma constatação devastadora, mas profundmente verdadeira e com um apelo fortemente sociológico.
Eice se assustou com esse pensamento, mas aquela era a verdadeira imagem que ele carregava dentro de si sobre a sua cidade natal!
Um desejo quase sobre-humano, meio que messiânico, se apossou do nosso personagem, que queria gritar a plenos pulmões um brado de revolta, de indignação e sobretudo de alerta para a sociedade, que não poderia e nem deveria crescer a um custo tão alto, com a geração absurdamente incontrolável de miseráveis, em benefício de uma minoria cega e egoísta.
Os noticiários diários comprovavam essa idéia, os níveis de criminalidade cresciam meteoricamente e a indiferença oficial para os fatos nos empurravam perigosamente para uma direção em que até o estado de direito estaria em risco, se não houvesse uma mudança de rumos.
Era revoltante, mas a postura e a inércia oficial há muito tempo era a do "melhor não fazer nada".
Acreditavam em idéias demagógicas, como a distribuição de esmolas mascaradas de ajuda governamental, com o nome de redistribuição de renda. Tais medidas na realidade estavam produzindo mais miseráveis ávidos por esses pecúnios nocivos e que nada faziam para alterar essa condição, já que viver às expensas da "caridade pública", era mais conveniente.
Por outro lado, os "mescenas oficiais", rejubilavam-se com os votos que certamente receberiam em eleições futuras, ou seja, tudo era um grande e sujo negócio, a perpetuaçãode uma situação conveniente para uns poucos oportunistas, através do dinheiro público.
Onde quer que voce olhasse a criminalidade, o desrespeito às leis e à ética, estavam presentes, independente do nível sócio-econômico das pessoas. A desonestidade já adquirira características endêmicas, corria-se o risco que isso virasse um fator genético...
Um senso meio quixotesco de justiça começou a criar corpo dentro do Eice.
Deprimido pela pasisagem do seu entorno, sentia-se como se tivesse caído num planeta paralelo e bizarro, mas a verdade nua, era a que estava dentro da realidade da sua cidade e ele constatou amargamente que existiam outras trilhas de formigas dentro dentro dela, porém dranaticamente piores que as suas, as trilhas das formigas zumbis, das formigas alienadas e sem perspectivas de horizontes e o mais aterrador, essas formigas estavam se proliferando num ritmo assustadoramente rápido.
Ele não sabia se sentia aliviado por não pertencer àquela miséria, ou se deveria pelo menos como um gesto de gratidão por ostentar uma condição econômica um pouco melhor, tentar qualquer coisa, principalmente em decorrência  da sua formação ideológica, que não lhe permitia a indiferença. O fechar de olhos para um problema para não enxergá-lo não era uma solução.
Já de volta ao seu quarto e agora consciente dos seus experimentos, passou as noites seguintes febrilmente arquitetando planos de ação...

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

...  Com receio de carregar traços sabe-se lá de que natureza em virtude de uma possível salada genética mal elaborada, ele tenta achar uma saída.
Ao mesmo tempo que se convencia de que a medicação era a causa de tudo aquilo, não tinha mais coragem de abandoná-la, o que o deixava numa situação extremamente incômoda, já que não tinha a menor idéia do que fazer.
Como já dissemos, o quarto era o laboratório dos seus experimentos.
Lá, vagarosamente analisou os fatos e convencido que eram os remédios que o catapultavam para aquelas situações, decidiu de impulso. Tomaria os comprimidos ainda durante o dia, sem sono  e veria as reações.
Cerca de uma hora após a ingestão dos "milagres químicos", sentiu-se sonolento. Resistiu o quanto pode, mas por fim acabou  adormecendo.
Sem que se saiba como, algo muito estranho começou a ocorrer. Era como se estivesse sendo decomposto materialmente e se transformando numa onda eletromagnética.
Essa energia aglutinada como se fosse um ectoplasma, deslocou-se sem rumo.
Eice sentiu toda essa transformação e em pânico, acompanhou tudo inerte.
Já na rua, foi envolvido numa corrente de vento, sentiu o deslocamento, como se estivesse dentro de um turbilhão.
Quando a coisa acabou, sentiu-se cuspido como a um feto parido em plena rua.
Estatelado na calçada e tentando recompor-se da estranha experiência pela qual tinha acabado de passar, estava nauseado, assustado e muito, mas muito curioso. Afinal, que diabos estava acontecendo?
Apesar de ter ingerido os remédios ainda de dia e a viagem que acabara de empreender não ter durado mais que alguns minutos, chegou ao seu destino já de noite.
Ofuscado pela iluminação noturna, mesmo assim tentou identificar onde estava. As luzes apresentavam um halo de névoa, indicando uma temperatura quase fria. Ficou algum tempo observando os insetos voando em torno dos focos luminosos. Aquela cena fez lembrar-se de uma música singela que fazia menção a uma dança das mariposas em volta das "lâmpidas prá se esquentar"...
Deslocando-se aos trambolhões, começou a identificar o lugar onde estava, principalmente quando avistou em uma de suas laterais, numa cota um pouco mais elevada, o grande teatro da cidade.
Agora tinha certeza, e o indefectível cheiro de urina acabou por lhe dar a certeza da sua localização.
Estava no centro de São Paulo, a outrora orgulhosa cidade por ter sido um dia o Berço dos Bandeirantes, hoje ostentava aquela marca nodosa em seu centro histórico, a de ser a Meca dos desvalidos, dos excluídos, dos miseráveis de todas as partes do país, que aqui chegavam como rebanhos assustados, com o sonho de fugirem dos dias da miséria extrema de seus estados natais...

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

O Início das Viagens

Logo no início do tratamento, tão logo tomava os medicamentos, Eice sentia-se muito estranho.
Conseguia dormir, mas era um sono agitado e entrecortado de cenas ilógicas, carecendo de um encadeamento coerente.
Pela manhã, sentia-se esquisito. Além do cansaço físico, que não deveria sentir, tinha fragmentos de lembranças que não sabia identificar se de coisas atuais, de um passado recente ou remoto.
Tudo era muito confuso e durante o dia alguns "takes" desconexos surgiam do nada em sua mente,colaborando sensivelmente para o aumento do seu estado de ansiedae. Cenas estapafúrdias sem uma explicação coerente, imagens de sua adolescência, ele envolvido em brigas com pessoas estranhas. Passagem por lugares estranhos, sujos e lúgubres. Ruas imundas, gente degradada, algumas com ferimentos, outras com deformidades medonhas.
Essa mixórdia de imagens crescia em intensidade e o Eice começou a achar que a medicação prescrita seria a causa de todo aquele imbrólio.
Em pânico e convencido de que a decisão de atender aos conselhos dos amigos tinha sido uma péssima idéia, retorna ao médico para relatar os "efeitos indesejáveis" que possivelmente a medicação estaria produzindo em seu organismo.
O médico de sua parte diante dos relatos, convenceu-se estar tratando com um psicótico, ou melhor, com um "louco de pedra". Com muito tato, recomendou-o a um iminente psiquiatra especializado em transtornos, digamos, pouco ou nada ortodoxos.
Eice de pronto rechaçou a idéia com extrema veemência, deixando o consultório aos brados e mal dizendo os conselheiros, que de uma certa forma o levaram a essa situação.
Já em casa, no seu quarto onde se sentia seguro como um alquimista em seu refúgio de experimentos, tentou colocar toda aquela confusão pelo menos numa ordem onde pudesse mesmo que, minimamente entender o que estava acontecendo.
Ainda em meio a um emaranhado de idéias, veio aquele pensamento inoportuno, o de que era descendente de uma família, pelo lado paterno, de parente consanguíneos, o que vale dizer, com uma enorme probabilidade de "gerar loucos".
Tentando se socorrer nos seus paupérrimos conhecimentos de biologia referente à hereditariedade, para tentar fugir daquela idéia alarmante, a de ser uma aberração genática, não conseguiu ir além daquelas combinações esquisitas dos Aa AA aA, ou mesmo nos experimentos de Mendell com ervilhas, que por sinal ele nunca conseguiu apreender durante as aulas no ensino médio do seu tempo... aliás, a esta altura, bem longínquos.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

O Surgimento de Eice

Como todo louco que se preza, o nosso Eice tem dificuldades para dormir, uma vez que em lugar de descansar, ele reserva esse tempo para pensar, quando desenvolve teorias mirabolantes, elabora teses, lê, treina oratória e dicção, escuta música, dando ênfase paa as árias, por sinal as suas prediletas.
Ultimamente tem demonstrado uma certa preocupação com o fato de estar gostando muito dos réquiens. Talvez um desejo inconsciente de desfrutar experimentos em outras dimensões. Em alguns momentos ele acredita que os réquiens são na verdade catalisadores catárticos que podem amenizar as suas angústias cotidianas e também por estar numa constante busca por respostas que possam se não alterar o rumo de sua vida, pelo menos explicar certas peculiaridades e a procura não fica restrita a esse plano que ele costuma classificar de uma forma pejorativa de puramente cartesiano.
Revisa todas as suas posturas diárias, requestiona tudo e a todos e, quando se dá conta, já está na hora de se levantar para o início de mais um capítulo da sua "imperdível vidinha de formiga".
Já a caminho do trabalho e convencido de que vai se sentir deslocado no seu dia à dia, é acometido de um desejo quase que incontrolável de rotornar para a sua casa, já que é lá que se dedica febrilmente a algo que reputa como a atividade mais importante de um ser humano, o livre pensar.
Ao longo destes anos e de repetidas insônias, convenceu-se de que na realidade não necessitava de sono e sim de repouso.
As pessoas mais próximas tentaram, sem êxito, alertá-lo para os riscos que correria ao longo do tempo, com a falta de um sono regular e reparador.
Mencionaram a necessidade de que todos temos de dormir, para a produção de alguns hormônios muito importantes para o organismo e que só são secretados durante a vigília.
São aqueles da família "nina", melanina, serotonina e outros "ninas".
De uma certa forma acabou se convencendo com os argumentos dos amigos e preocupado com o quadro, procurou orientação médica.
Inicialmente foram receitados medicamentos  para conter ou diminuir os níveis de ansiedade, que no nosso personagem, para variar, eram extremamente altos.
Os resultados foram praticamente nulos, o que provocou uma nova visita ao médico. Este em função do relatado pelo "paciente impaciente", acabou prescrevendo aquelas "bombas" que costumamos chamar de medicação de tarjas pretas.
Num paciente normal, as coisas tenderiam a caminhar para uma certa normalidade. Mesmo não resolvendo o problema, as tais "bombas" mascarariam a patologia e ele dormiria.
Como dissemos isso seria o corriqueiro num paciente normal, mas no nosso Eice, a coisateve um resultado bombástico e, de certa forma, difícil de se entender e mais ainda de se explicar