...tão logo aquele monstrengo saiu do chão, sentiu um buraco na boca do estômago. A tortura de mais dez ou doze horas, parecia que seria interminável. Com mãos trêmulas, tao logo foi dada a permissão para soltar o cinto de segurança, pegou numa pequena bolsa os comprimidos que o fariam relaxar ou quem sabe até dormir, embora duvidasse de que conseguiria, tamanho era o seu estado de pânico.
Infelizmente, a primeira turbulência surgiu antes mesmo que o comprimido salvador fizesse efeito. Rezava em voz baixa, com movimentos ruidosos de lábios, lembrando as antigas beatas. Os passageiros ao lado olhavam-no com um misto de surpresa e ironia, pois custavam acreditar que ainda existissem pessoas com esse tipo de medo. Lentamente a medicação começou a fazer efeito e pouco tempo depois adormeceu num sono profundo e muito agitado.
Algum tempo depois uma comissário tentou acordá-lo para um lanche já que a viagem ainda demoraria algumas horas, mas foi prudentemente aconselhada pelos vizinhos para não despertá-lo, o que foi aceito prontamente pela solícita moça. As horas passavam e ele continuava em um sono pesado chegando a preocupar alguns, que temiam pela possibilidade dele ter ingerido uma dose excessiva da medicação.
Findas as intermináveis 10 horas, ele foi despertado para que colocasse o cinto de segurança, pois já estavam sobrevoando a sua cidade natal. Apesar do medo, sentiu-se profundamente aliviado, pois o seu martírio estava perto do final, mais alguns sobressaltos e tudo estaria terminado. Lembrou daquele célebre acidente quando por um erro mecânico, assim que a aeronave tocou o solo, o reverso foi acionado de forma errada o que acabou ocasionando uma tragédia no aeroporto vizinho. A lembrança não podia ter sido numa ocasião mais inoportuna. Quando o gigante mecânico parou, estava com suor entrado pelos olhos e num estado de tensão tão grande que sentia a fadiga nos músculos dos braços.
Ao desembarcar cumprimentou efusivamente as comissárias que acompanhavam os passageiros ao longo da saída. Pouco depois de conseguir não sem algum esforço a sua bagagem, sentia-se renascido e com um bom humor contagiante. Entrou no táxi para a parte final da sua epopeia rumo ao seu refúgio. Olhando pela janela, via com extrema satisfação a paisagem ao longo do caminho. Num trecho qualquer viu uma pichação num enorme paredão de uma indústria, onde um poético e filosófico pichador escreveu... " Eu sempre tive essa certeza, a de que em algum lugar você existia". Ficou impressionado com a profundeza do pensamento e se permitiu a doces lembranças de um antigo amor. Mais alguns quarteirões a frente, outra pichação e esta lhe deu a certeza de que realmente estava de volta ao seu velho e esculhambado pais e essa dizia uma verdade incontestável... " Loucura mesmo é achar que essa merda toda é normal".
Cerca de mais trinta minutos e estavam estacionando em frente à sua velha casa. Era uma noite quente de verão e foi recepcionado por uma fortíssima e olorosa fragrância de dama da noite, proveniente de um arbusto que tinha no seu quintal, aliás uma velha companheira das noites insones. Aquilo acalmou o seu coração e sentiu um tremendo alívio por ter retornado para a sua rotineira vidinha deformiga de sempre.
Planejava para si, pelo menos um dia inteiro de descanso sem pensar em mais nada. Depois disso retomar as suas investigações, pois agora dispunha de preciosas ferramentas presenteados pelo seu estranho colega de Liga. Os criminosos de colarinho branco finalmente estavam com os seus dias de contravenção contados...
LC OLIV