quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

     ...Após os efusivos cumprimentos totalmente fora dos padrões da compostura britânica, Poirot cerimoniosamente o conduziu,por um  corredor repleto de quadros, alguns deles lembrando cenas típicas do renascimento. Passaram por pequeno console onde uma salva  de prata estava repleta de frutas.
     O pequenino anfitrião, parou e reordenou a posição dos perfumados pêssegos de maneira a tudo ficar esteticamente ao seu gosto. Já no final do trajeto, entraram num  amplo salão onde pode notar a perfeição na divisão dos ambientes.
Era um amplo, arejado e iluminado espaço, abrigava uma agradabilíssima sala de estar com um conjunto  de estofados do modelo chesterfield, num tom de azul que não soube definir. Num patamar um pouco mais alto, três degraus mais precisamente, uma sala de jantar com uma imponente mesa de madeira de tom escuro, com pés primorosamente trabalhados com figuras que  não  soube definir o que eram, mas lhe pareceram ser figuras mitológicas.
     As cadeiras num número de seis, tinham espaldares altos e braços para apoio também entalhados. Os assentos tinham o mesmo tom de azul dos estofados. Era visível o refinamento e o bom gosto. Finalizando, num amplo espaço  na direção da janela, o gabinete de trabalho.  Na grande escrivaninha, tudo meticulosamente colocado. Desde a agenda de notas, o tinteiro, o mata borrão e o conjunto de canetas. A um canto, um aparelho de telefone na cor marfim,  estrategicamente  colocado de modo a não interferir na disposição dos outros objetos. No outro extremo um delicado abat-jour bege.
     Era ali naquela mesa que parecia uma tela, onde  tudo estava  disposto de forma harmônica e graciosa, que o grande detetive desvendava os mais intrincados casos. Por trás de sua confortável cadeira, cortinas de um branco incomum esvoaçavam ao sabor de uma fresca brisa.
     A visão que se tinha da praça do do alto do quinto andar,  era algo muito curioso. As alamedas calçadas com pedras, formavam um desenho geométrico, compondo com os jardins primorosamente cuidados, um conjunto que agradaria qualquer um que tivesse um sentido estético apurado.
     Após conhecer an passant, as dependências daquele santuário, foi cerimoniosamente conduzido por Poirot à cozinha, onde preparava algo que exalava um aroma fantástico, que aguçava tanto o seu paladar quanto a sua curiosidade. Enquanto mexia em algumas panelas com um colher de madeira, era possível perceber a sua obsessão pela ordem. Tudo que seria utilizado no preparo daquela ceia, via-se disposto de forma exageradamente simétricae colocados numa bancada ao lado. Aproveitando o momento discorreu sobre as iguarias, suas origens e a receita de acordo com as suas origens.
     Tratavam-se  de iguarias da culinária belga. Começando pelos mexilhões com batatas fritas, acompanhados de tomates aux crevettes e arroz com fines herbes. Para beber, escolheu de sua adega, algo especial  para a ocasião, um beaujolais safra de quinze anos. Finalizando com uma  sobremesa algo britânica, um  tradicional pudim de passas, que Poirot aprendera apreciar desde que fora convidado para passar um natal em casa de amigos e conhecer as tradições inglesas para as festas natalinas.
     Após a breve visita à cozinha, retornaram  para a sala de estar, onde o próprio detetive os serviu de um petit drink, uma espécie de  aguardente, que segundo ele,  era uma receita especialíssima e artesanal, com uma fórmula desenvolvida por membros de sua família e que alguns parentes o enviavam da Bélgica.
     Enquanto conversavam, pode observar de forma bastante dissimulada, tudo ao seu redor e para sua satisfação, tudo seguia um padrão estético rigoroso, onde nada se encontrava fora do seu lugar. A harmonia era absoluta tanto com relação a tamanhos, quanto aos formatos. A essência delicadamente perfumada permanecia no ambiente sem se dissipar. Em meio às amenidades, o capitão Hastings mencionou o motivo de vinda do convidado para Londres, ainda sem terminar, foi interrompido educadamente pelo polido anfitrião, que justificou o momento que deveria ser dedicado  às papilas gustativas e aos prazeres de uma degustação e que o  exercitar as "celulazinhas cinzentas", certamente viriam após a ceia.
     Nesse momento, George o valet, elegantemente vestido,  se aproximou e de forma bastante cerimoniosa com uma  mesura, pediu permissão para servir o jantar...



LC OLIV

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

     ... Assim que deixaram o hotel, dobraram à esquerda. A julgar pelas pequenas rajadas de vento que varriam as calçadas espalhando folhas secas, com certeza estavam no outono, a sua estação preferida. Nem muito frio e muito menos aquele calor sufocante e anti-higiênico do verão. Além disso, era a estação que ele chamava de meia luz onde tudo era mais aconchegante e confortável, desde o cardápio até o vestuário. Na sua opinião, tudo era melhor.   Apesar da euforia, nada passava despercebido ao seu atento olhar.
     Já na  quadra seguinte, passou a observar a arquitetura, numa mescla de estilos, desde o indefectível vitoriano até o art nouveau, Ficou vivamente impressionado com o espetáculo, verdadeiras obras de arte, sem mencionar os jardins, lembrando telas impressionistas ao vivo. Tudo muito florido e cuidado com extremo capricho e bom gosto.
      Outra coisa que chamou a sua atenção, eram os nomes das residências, algo meio exótico, desde os de família lembrando o culto aos clãs, chegando a nomes de batalhas de campanhas militares nos confins do império, algo  meio ufanista típico do orgulho inglês. Estava realmente eufórico, embora aparentemente impassível,  o capitão com ar de plena satisfação dava mostras de regojizo pelo impacto do seu acompanhante com as belezas quotidianas britânicas. Esse percebendo a sua reação por tudo que desfilava diante de seus olhos,  orgulhosamente adotou uma postura de guia  explicando professoralmente, todas aquelas maravilhas, até então inusitadas para ele.
      Pouco depois, ao virarem uma rua pode deparar com a tão esperada praça. A Trafalgar  Squire, era um local amplo, totalmente arborizada com espécies das mais variadas, algumas de copas densas, ideais para abrigar os pássaros. Por se aproximar o crepúsculo, o barulho do grande número de pássaros em busca de abrigo era  agradável, podendo se ver vários deles pulando pelos galhos à procura de um canto mais acolhedor para mais uma noite.
     Era totalmente cortada por alamedas limpíssimas e junto aos jardins, mesas de alvenaria com tabuleiros desenhados destinados para os aficionados de xadrez, aliás um jogo extremamente apreciado naquele país. Não demorou muito, pode divisar no extremo oposto de onde estavam numa linha reta, o imponente e majestoso prédio, destino final dessa caminhada.
     À medida que se aproximavam, experimentou uma sensação de euforia que chegava  afetar a sua respiração.  A contração do plexo foi tão grande, que  sentiu a calça se afrouxar um pouco na cintura,  a garganta ressecada.
     Chegando na calçada fronteiriça do prédio, pode ler o seu nome encimando a porta de entrada com letras góticas, Whitehaven Mansions. Para ele era como se estivesse  às portas de um templo sagrado,o que de uma certa forma não deixava de ser verdade, pelo meno para ele. O capitão fora reconhecido pelo porteiro que ostentava um porte marcial, trajando um impecável uniforme com toques de roupa militar de gala, inclusive com luvas e numa respeitosa reverência,o recebeu.
     Perguntou se a ida à Cornualha tinha sido proveitosa, demonstrando saber de todos os passos da famosa dupla. Fez questão de acompanhá-los e abrir a porta do elevador. Foram cinco lances de subida onde experimentou um friozinho no estômago. Saíram por um corredor amplo ornado por vasos floridos.
     Ao chegarem ao apartamento 53, o capitão tocou a campainha e pouco depois, foram recebidos pela  secretária que lançou sobre ele um  olhar discretamente curioso. Sentiu-se envolvido por um  aroma de algo que não soube definir, mas agradabilíssimo e que julgou ser uma lavanda, muito provavelmente, francesa.
    Vindo  da sala de estar, os acordes inconfundíveis  de Debussy, reconheceu Clair de Lune. Foi nesse exato instante que surgiu o grande mestre,com os seus passinhos curtos e frenéticos, para recebê-los. Trajava por cima da roupa um avental imaculadamente branco com um monograma bordado no lado esquerdo, revelando a sua preocupação com a elegância, mesmo quando exercia os seus talentos culinários.Talento que por sinal dava mostras, a julgar pelo delicioso e totalmente desconhecido aroma que vinha da cozinha.
     Todo sorridente, saudou-o com uma mesura e um entusiástico "bienvenue monsieur Eicê"...




LC OLIV