... Antes de deixar o apartamento do detetive, combinou com o seu agora parceiro, a discussão das ações que pretendiam levar a cabo em suas diligências. Ambos concordaram que o melhor seria discutir tudo, durante o almoço que pretendiam ser no Abbey Road, que aos poucos foi se tornando um velho conhecido para ele. A prova é que à sua chegada, foi cordialmente cumprimentado pelo maitre que o saudou pelo nome e em seguida levou-o à sua mesa preferida. Em mais uma alusão à familiaridade do pessoal do restaurante, o metre indagou se o capitão viria.
Não demorou nem cinco minutos e ouviu a voz do capitão próximo à mesa. A saudação como sempre, protocolar com um impessoal aperto de mão. Apesar de conhecer os hábitos britânicos, aquilo de uma certa forma o incomodava. Uma vez instalados, a escolha do cardápio recaiu numa sugestão do atencioso maitre. Assim que os pratos chegaram, percebeu o quanto fora feliz em aceitar a sugestão. Era um linguado grelhado coberto por um molho de aspecto convidativo. Era composto de um cozimento de carne desfiada de caranguejo, com pedaços de camarão e um combinado de tiras finas e macias de pimentão verde e pedaços de tomate com grossas e desidratadas fatias de cebola, com delicadas pitadas de orégano. Acompanhando essa iguaria, um arroz salpicado de pequenos pedaços de coração de alcachofra, regados no azeite. Para beber, escolheram um vinho branco ligeiramente resfriado. Depois da ceia, declinou educadamente da sobremesa, pois não gostava de arroz doce.
Após a refeição, sentiu-se um tanto entorpecido pelo efeito do vinho. Durante o café, confabularam calorosamente as ações que iriam empreender dentro de pouco tempo.
A refeição foi muito agradável e já estavam no café e algo um tanto curioso chamou a sua atenção. Era de um pais produtor de café, no entanto aquele que estavam tomando era diferente de tudo que já tinha experimentado em seu país. Terminada a refeição, ganharam a rua e se deixou levar pelo que além de conhecer todos os recantos da cidade, tinha também a facilidade do idioma e nesse ponto passou a ser um auxiliar.
Vagaram por muitas ruas sem um destino aparente. Entraram em vários estabelecimentos, um deles para o seu prazer, foi aquela livraria que estivera dias antes. O dono o reconheceu e com um sutil gesto de cabeça deu a entender que lembrava dele. O capitão examinou cuidadosamente as prateleiras, folheou alguns exemplares, fez alguns comentários sobre as obras, questionou o proprietário sobre os best selllers e com isso acabou colocando algumas perguntas muito sutis sem o que o seu interlocutor percebesse a sua real intenção.
Ao final o capitão satisfeito com as respostas obtidas, acabou escolhendo uns três volumes para comprar e um deles lhe despertou um especial interesse pelo título, "Roteiro pelos jardins da Inglaterra". De volta à rua, sabendo que estavam em Chelsea, poucas quadras depois, entraram em joalheria. Foram recepcionados por um senhor extremamente polido e a julgar pela forma como os cumprimentou, era conhecido do capitão.
Respondia calmamente às perguntas e num dado momento indagou se estavam ali como compradores ou a serviço do pequenino belga. Tomado de um ligeiro rubor, acabou confessando que estavam seguindo instruções do "boss". Em seguida continuaram o pequeno tour pelo bairro e já próximos das 5 horas, por sugestão do próprio Hastings, se convidaram para um chá no gabinete do inspetor-chefe, mesmo correndo o risco de não encontrá-lo.
Sem muita espera, embarcaram num taxi. Antes mesmo que fosse indagado sobre para onde iam, o capitão com uma única e lacônica palavra, indicou a Yard. No caminho sentiu-se observado pelo motorista através do retrovisor, cujo olhar mostrava a sua curiosidade. Cerca de dez minutos depois, estacionavam em frente a um edifício austero, de tijolos aparentes, todos escurecidos pela ação do ar marinho. Tinha janelas altas sem venezianas. As portas de entrada em arco, davam um aspecto medieval à construção. No patamar de entrada dois gárgulas mal encarados com aspecto demoníaco, guardavam, um de cada lado, o acesso ao local.
Foram conduzidos por um oficial fardado a um posto de identificação e posteriormente conduzidos ao andar de cima. Subiram por uma escadaria de mármore larga, com corrimões de madeira e colunas de bronze reproduzindo cabeças de figuras que não soube identificar. No final, duas saídas para direções opostas com longos corredores. No fundo, mais uma mesa com um oficial que os conduziu ao gabinete de Japp.
Por sorte acabaram por encontrá-lo, pois acabara de retornar de uma rápida investigação de um outro caso, que misteriosamente, acabou fazendo conexão com relação ao senador, o que era bastante promissor para um início de delicadas investigações. Durante essa sua incursão, conversando com um conhecido rabino, negociante de diamantes, acabou sendo informado de um estranho, estrangeiro, que estava interessado na compra de diamantes, mas com a condição de que fossem mantidos em confinamento em Amsterdan. Este misterioso comprador, não deixou nome, nem o hotel onde estava hospedado, o que gerou uma certa desconfiança no velho mercador, restando uma tênue esperança nos investigadores, sobre a possibilidade de ser o senador que procuravam.
Foram interrompidos, por uma senhora volumosa e com cara mal humorada, que entrou na sala com um carrinho, onde se via bules, pratos e talheres, além de uma variedade de delícias, indicando que o obrigatório chá das cinco estava para ser servido. A visão das iguarias estimulou tanto o seu apetite quanto a curiosidade, pois quase não conhecia nada do que estava sendo servido.
Seguindo as primeiras escolhas do capitão, se deliciou com a madalena, em seguida o seguiu nos petit fours e nos amanteigados. Um tanto envergonhado repetiu mais uma madalena e finalizou com um saborosíssimo chá. Naquele instante entendeu porque davam tanta importância para algo que se parecia um evento solene e realmente era, ainda mais num país que se notabilizava por cultuar as suas instituições e tradições...
LC OLIV