terça-feira, 14 de julho de 2020

     ... A noite foi longa em virtude da sua ansiedade. Tinha combinado com o capitão que logo cedo se encontrariam para uma breve refeição no Abbey Road e em seguida, partiriam para as explorações num dos bairros mais exclusivos de Londres. Resolveram ir a pé e no caminho teve uma verdadeira aula sobre o bairro para onde  iam.
     Adotando um ar professoral, Hastings foi bastante formal na sua dissertação. E começou com um afetadíssimo, "meu caro amigo, Mayfair é um dos bairros mais exclusivos e chiques de Londres. Está localizado na área central da cidade, é demarcado pela Oxford Street (ao norte), Piccadilly e Green Park (ao sul), Regente Street (a leste) e o Hyde Park (a oeste). Endereço de lojas chiquérrimas, hotéis tradicionais, restaurantes estrelados, embaixadas de diversos países,  de moradores abastados e das galerias pelas quais deveremos passar hoje para dar continuidade às nossas investigações."
     Assim que chegaram à meca londrina, sentiu-se um tanto desconfortável, pois aquela dissertação  soou para si mais como uma breve e delicada advertência sobre a sofisticação da vida britânica para a qual os estrangeiros deveriam estar atentos e de alguma forma prontos para reverenciar. Pouco depois pararam em frente a uma majestosa construção vitoriana, onde se lia numa placa de bronze com letras góticas, Royal Gallery.
     Foram recepcionados por um impecável porteiro que ostentava um traje de gala, que os saudou abrindo uma imponente porta de ferro trabalhado com figuras mitológicas forjadas nas suas grades. Já nos primeiros passos dentro do estabelecimento, puderam sentir um agradável e suave aroma, que ele não soube definir. Foram conduzidos até à mesa de uma senhora com ar austero, os recebeu de forma bastante protocolar.
     O capitão se apresentou e mencionou ser sócio de Hercule Poirot, o que lhe valeu uma recepção um pouco mais calorosa por parte da circunspecta senhora, quando ouviu o nome do célebre detetive.
Ela mencionou conhecê-lo não somente pelos artigos dos jornais, como tinha conhecimento da galeria ter se valido dos seus inestimáveis préstimos na elucidação de um furto de uma obra de valor incalculável e que graças à sua perspicácia e tato, foi uma investigação coroada de pleno êxito.
     Uma vez quebrado o gelo, foram convidados para um chá, enquanto de uma forma bastante hábil o capitão expôs o motivo da visita. Tratava-se pois de um assunto de extremo sigilo, pois na verdade era uma tentativa de localização de um estrangeiro, sem que com isso tal investigação não deixasse de ser discretíssima.
     Em seguida ao relato de Hastings, ela chamou alguém pelo telefone, que chegou imediatamente. Era um senhor com uma aparência daquelas que jamais despertaria a atenção sobre si, de quem quer que fosse. Ouviu atentamente e pedindo licença, retornou cerca de meia hora depois com uma pasta. Assim que a depositou sobre a mesa, podia-se ver diversas fotos, que souberam que se tratava de alguns visitantes das últimas semanas. O sofisticado sistema de segurança além de câmeras, fotografava os visitantes por diversos ângulos, prevendo a possibilidade, mesmo que remota, de uma consulta posterior.
     A senhora explicou tratar-se de uma nova rotina imposta, desde o desagradável incidente do furto de uma tela valiosíssima e que felizmente fora recuperada por M. Poirot. Pelo volume podia-se estimar em torno de umas vinte fotos. Já estavam desanimados, quando na antepenúltima foto, lá estava a a funesta  figura do procurado senador. Conseguiram levantar mais algumas informações como os dias em que estivera ali, os horários, quais obras queria negociar e as cifras envolvidas nas possíveis negociações.
     Foram consultados se mesmo após a compra se poderia deixar as obras confinadas na galeria como se  ainda estivessem a venda e se surgisse alguma possível transação, como se daria a participação da galeria no negócio. Obtiveram o endereço que o senador havia fornecido e estranharam o fato de ele não fornecer nenhuma outra forma de contato, como um telefone.
     O local era um hotel nas imediações de Charing Cross, para espanto dos dois, pois estavam muito próximos do Abbey Road e com um pouco de sorte poderiam até tê-lo encontrado em suas andanças pelas cercanias daquele movimentadíssimo ponto da cidade.
     O gerente do estabelecimento, foi muito prestativo em suas informações. Reconheceu o hóspede pela foto fornecida pela galeria de arte. Um tanto assustado perguntou se era algum criminoso procurado pela Yard. Informou que percebeu de imediato tratar-se de um estrangeiro pelo péssimo inglês com sotaque americano com que falava. Era meio furtivo nos gestos como se estivesse se escondendo. Sempre que saia, o fazia com cautela, olhava no entorno e quando retornava, agia da mesma forma. Ficou hospedado uma semana e pediu o nosso número dizendo que ligaria nos dias seguintes para saber se tinha sido procurado. Chegou a deixar uma soma em dinheiro para esse favor.
     Os dois investigadores deixaram com o gerente do hotel um cartão de Hastings e saíram um tanto frustrados, mas ainda assim esperançosos, pois agora já sabiam que ele estivera  nas imediações e que com um pouco de sorte e discrição, poderiam obter mais alguma pista sobre as suas andanças. Pouco depois decidiram por uma pausa para o almoço e durante a refeição, de comum acordo,  resolveram que podiam ir visitar Poirot, pois já tinham alguma coisa interessante a oferecer em termos de novidades...



LC OLIV