... o maitre demonstrou conhecer bem o paladar de Poirot. O menu contava na entrada com uma deliciosa salada de brotos de alface, acompanhados de grossas rodelas de palmito e de polpudas azeitonas gregas. Em seguida, as iguarias quentes que se compunham de excelentes medalhões de filet mignon mergulhados num farto molho madeira que arrancou elogios entusiasmados do nosso gourmet. Acompanhava ainda, um arroz com ervas que eu não soube definir o que eram, mas de um sabor um tanto exótico e batatas coradas com furos no centro, preenchidos caprichosamente com um espesso azeite que eu soube depois ser grego de uma reserva exclusiva e fechando, um vinho amadeirado de uma safra de dez anos, bem a gosto do nosso anfitrião. A sobremesa foi um creme de papaia regado com um saborosíssimo licor de cassis.
Apesar da delícia das iguarias, confabulamos animadamente durante todo o jantar e foi aí que descobrimos que as intenções do nosso "mestre", era a de embarcar por alguns dias para Paris, a fim de fazer algumas pesquisas acerca do possível paradeiro do "invisível senador". Ficaríamos alguns dias desfrutando as maravilhas da cidade luz e ao mesmo tempo, empreendendo dissimuladas e discretas investigações e para tanto, Poirot contaria se tudo desse certo, com a inestimável ajuda de um antigo amigo e de certa forma colega.
A essa menção, era visível a grande curiosidade de Hastings por querer saber quem era essa pessoa e por conseguinte a minha, já que pouco ou nada sabia da intimidade daquele extraordinário detetive. Poirot não se fez de rogado e acabou fazendo um longo relato dos dias, antes da guerra em que conheceu um promissor inspetor que um dia viria a se tornar comissário da polícia judiciária de Paris. Em muitas ocasiões trocaram informações e impressões sobre os casos que investigavam e daí surgiu além de uma grande amizade, uma profunda e mútua admiração nos dois, pelos métodos que ambos se utilizavam para levar a cabo os seus objetivos que sempre era o de chegar aos autores de crimes dos mais variados, desde assassinatos, a grandes roubos e toda sorte de delitos.
A experiência adquirida ao longo dos anos, lidando com todo tipo de contravenções, viria a torná-los exímios e quase infalíveis rastreadores. Em Paris havia uma lenda entre os criminosos que se o Comissário Jules Maigret estivesse no comando das investigações de algum caso, era uma questão de tempo a descoberta e a inevitável prisão do autor da contravenção..
Com o passar dos anos, essa amizade se solidificou mesmo com ambos trabalhando em cidades diferentes. Não foram poucas a s vezes que se encontravam para um final de semana, onde além de colocarem as suas conversas em dia, podiam confabular sobre os casos em que estavam debruçados e não raras as vezes, dessas conversas, surgia o toque final para concluírem com sucesso os seus intentos. Foi nesse momento que viram no pequeno belga um olhar nostálgico quando mencionou os seus dias de um jovem sonhador, sentado nas escadarias da Basílica do Sagrado Coração (Sacré Coeur) no seu amado Montmarte, segundo ele o bairro mais encantador de Paris, de onde se tinha uma visão magnífica de quase toda cidade. Era ali que se entregava aos seus devaneios e onde surgiram os embriões de algo grandioso que sempre sonhara para si, a de ter uma atividade que o tornasse uma référence e respeitado por todos. Sabia que teria que ser uma atividade onde pudesse fazer uso do seu maior atributo, que ele mesmo chamava de "a utilização das celulazinhas cinzentas". O tempo curiosamente se encarregou de lhe mostrar esse caminho e do acerto de suas aspirações.
Ouvir aquilo de qualquer pessoa, seria no mínimo algo cansativo e entediante, mas vindo de Poirot, soava como o roteiro de mais um de seus bem sucedidos casos, onde uma possível soberba, dava espaço para situações, fatos, tramas e conclusões extraordinariamente racionais e ao mesmo tempo, surpreendentes. O final de sua exposição, coincidiu com a chegada de espesso e cremoso café. Antes de nos retirarmos, o maitre foi cumprimentado pelo nosso anfitrião com uma mesura que em qualquer outra pessoa ficaria um tanto démodé, mas que nele adquiria um tom encantador e foi isso que se viu no rubor do agraciado maitre.
Assim que chegamos à calçada, fomos colhidos por uma agradável e fresca brisa noturna, que delicadamente nos informava que não tardaria muito a chegada de noites mais frias. O hotel onde Eice estava hospedado não estava muito longe e resolveram ir a pé. Seguiram pela calçada trocando opiniões de forma animada e cerca de dez minutos depois chegaram e a conversa continuou na sala de estar num amplo e confortável salão no térreo. Pouco depois e de comum acordo, combinaram que passariam uns dias em Paris, onde poderiam juntar uma agradável estada com a continuidade de suas investigações...
LC OLIV