segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

      ...Na manhã seguinte os três acordaram muito dispostos e felizes. Tomaram a refeição matinal no próprio hotel. Foi muito agradável, conversavam animadamente sobre as belezas do espetáculo da noite anterior e puderam ouvir prazerosamente, algumas pequenas histórias de Poirot da época em que era morador fixo de Montmartre e um frequentador assíduo das românticas escadarias da Sacre Coeur.

     Deliciava-se com as músicas sempre presentes e os perfumes dos seus jardins, sem contar aquela visão extasiante de Paris, Na sua sempre modesta opinião, a cidade a noite, era o centro luminoso do mundo  e quem não tivesse o privilégio de ver esse espetáculo, corria o risco de partir dessa vida sem ter visto a mais bela e poética manifestação da criação do ser humano.

     Após o desjejum, instalaram-se na sala de estar e passaram a discutir os passos que deveriam tomar a seguir, uma vez que não estavam ali somente a passeio, embora as tentações fossem quase que irresistíveis. Naquele momento, Poirot de posse de um dossiê elaborado por Eice, repassava mais uma vez as informações que julgava serem as mais importantes e em seguida, participou aos dois o que pretendia fazer. Era a sua intenção se encontrar com um velho colega, que hoje ocupava o posto de comissário da polícia judiciária, o lendário comissário Maigret,  de quem já tinham ouvido histórias interessantíssimas com relação aos seus singulares métodos investigativos.

      Maigret era na verdade um policial diferente em  quase tudo dos seus pares e foi assim ao longo da sua carreira, desde os primeiros postos nos subúrbios, até a sua chegada a Paris mais precisamente ao  Quai des Ofevres às margens do Sena no prédio do Palácio da Justiça. Primava pela correção com que tratava a todos indistintamente, inclusive dos seus suspeitos que reconheciam esse lado humano e paternal e acima de tudo honesto.

     Por conta disso, ficou também conhecido pelos seus memoráveis interrogatórios, onde quase sempre lograva êxito, sem nunca ter se utilizado de métodos  desonestos. A sua linha de conduta se baseava na lealdade e era através dela que chegava a incorporar a personalidade do interrogado e como num jogo de xadrez de habilidades, acaba sempre encurralando os seus suspeitos e obtendo finalmente o que pretendia.

     Antes de deixar o hotel, Poirot fez uma série de sugestões aos seus acompanhantes de como desfrutar do tempo disponível, pelo menos naquele dia. Uma vez em Montmartre, além da Basílica do Sacre Coer, Outra visita imperdível, era a do boulevard dos pintores, afinal aquele era o bairro mais boêmio da cidade, ali ficava a  Paris dos impressionistas, onde se respirava arte por todos os seus cantos. Montmartre de uma certa forma carregava o DNA da mística artística da cidade luz, pois ali viveram muitas das maiores expressões artísticas de toda a França.

     Chegaram ao boulevard já perto do horário do almoço. Montados ao ar livre, muito dos ateliers já estavam em plena atividade. Muitos expondo suas obras, outros atendendo encomendas de telas feitas ao vivo de felizes e entusiasmados turistas que muito eufóricos acompanhavam as obras serem preparadas. Tudo aquilo gerava uma agradável balbúrdia, que crescia quando outras manifestações artísticas se juntavam aos visitantes.

     Após algum tempo em que se fez de cicerone para os dois acompanhantes, Poirot os deixou, não sem antes fazer uma série de recomendações, inclusive com as suas sugestões de onde almoçarem. Aliás não estavam muito longe do pequeno restaurante onde tinham jantado na noite anterior. Andaram despreocupadamente apreciando tudo do entorno com muito interesse, optaram por comerem algo por ali mesmo, principalmente porque foram atraídos pelos aroma irresistível de uma pequena tenda de onde se grelhava algumas preciosidades.

     A tentação era tão grande que acabaram se permitindo comer de tudo um pouco e foi assim que se maravilharam com camarões, lagostins, ostras,  polpudos filés de salmão e fecharam com o famoso arenque defumado. Tudo isso acompanhado por um vinho branco bastante cítrico produzido com uvas sauvignon blanc. Essas informações foram fornecidas pelo dono da tenda, um senhor de uns setenta anos de cabelos e barbas grisalhas, que simpaticamente como se a dupla fosse capaz de entender ou discutir qualquer coisa nesse sentido. Tentaram de alguma forma se passarem por consumidores habituais e dessa forma, mesmo que com sorrisos um tanto sem graça que acabou os denunciando, o que acabou sendo notado pelo hábil e educado francês que os atendia.

     Nesse meio tempo, já no outro lado da cidade, mais precisamente às margens do Sena,  Poirot adentrava  pela porta principal do lendário palácio da justiça. Antes de se dirigir à recepção central, checou a si mesmo. Recolocou o chapéu, tirou uma poeira dos ombros que somente ele seria capaz de enxergar, rearrumou a gravata e com uma mesura de cabeça, se apresentou e disse com quem pretendia se entrevistar. Após uns poucos minutos, foi autorizado a subir, sendo acompanhado por um senhor impecavelmente  fardado, com um ar de mordomo inglês, o que acabou agradando o pequeno detetive.

     A chegada ao sétimo andar foi rápida, dirigiram-se  para o fim do corredor onde se localizava o gabinete do comissário. No trajeto passaram por algumas salas, algumas das quais ele reconheceu, eram as salas dos detetives. As mais próximas do gabinete de Maigret, eram onde ficavam os seus auxiliares de maior confiança. Ao chegarem, já na ante sala, o indefectível cheiro de cachimbo denunciava a presença do lendário comissário.

     A secretária já o esperava e entrou para anunciá-lo. Pouco depois entrou para entrega de uma encomenda, um rapazote e trazia uma jaqueta de uniforme onde se lia no bolso do peito,  Brasserie Dauphine.  

     Poirot soube de imediato o que aquilo significava, pois eram famosos os seus longos interrogatórios, onde as vezes os interrompia e pedia que trouxessem alguns sanduíches e cervejas para depois dar continuidade aos seus questionamentos. O mais curioso e inteligível para os seus pares, é que ele fazia essas frugais refeições em companhia dos seus interrogados. Assim mesmo, pouco depois, o comissário veio ao encontro de Poirot. Saudaram-se de forma efusiva e carinhosa. O comissário se escusou pelo momento, pois estava finalizando um caso que tomou-lhe meses de investigação e de toda a sua brigada de costumes com a de narcóticos e esperava agora fechar o caso, pois já estava sendo pressionado pelo juiz de instrução, um velho conhecido seu. 

     O reencontro ficou marcado para um jantar na casa de Maigret na noite seguinte e o convite se estendeu para Hastings e Eice. Para Poirot voltar ao Boulevard Richard Lenoir e rever Louise, a adorável esposa do comissário, era algo extremamente agradável e assim, o pequeno belga deixou o Quai des Ofevres satisfeitíssimo com a sua visita...



LC OLIV