segunda-feira, 12 de abril de 2021

      ...Acomodaram-se no sofá a convite do comissário, enquanto Louise, na cozinha,  dava os últimos toques na refeição. Enquanto aguardavam, experimentaram uma aguardente que tinha vindo do povoado onde Maigret havia nascido. Ainda tinha muitos parentes em Saint Fiacre e estes sempre mandavam iguarias típicas da região, bem como algumas bebidas que eram sempre muito bem vindas. 

     A conversa era bastante amistosa, regada por mais algumas doses de aguardente e com o ambiente perfumado pelo indefectível cachimbo do grande chefe, aliás uma de suas marcas pessoais, entre outras pelas quais era conhecido no Palácio da Justiça às margens do Sena. Apesar de móveis relativamente antigos e austeros, o ambiente era extremamente agradável, a ponto de ter-se a sensação de que passar o dia ali seria uma experiência muito agradável. Foram interrompidos por Louise que um tanto agitada, solicitou do marido uma pequena ajuda na colocação da mesa. Com grande habilidade, o grandalhão comissário foi colocando os pratos, talheres, guardanapos e as taças, dando um toque muito agradável ao arranjo final. 

     Louise ao entrar com a terrina fumegante, depositou na parte central da mesa sobre um suporte, com uma rápida passada de olhos, aprovou tudo e em seguida retornou pra a cozinha de onde voltou com duas garrafas. Olhando para o marido, que demonstrara satisfação pela escolha ter recaído pelo vinho de sua terra natal. Ainda num ambiente festivo, tomaram os seus lugares e coube a Poirot a iniciativa de abrir as garrafas e servir a todos e em seguida com uma mesura propôs um brinde onde externou o grande prazer de rever amigos tão queridos. Embora estivessem em países diferente, fez questão de ressaltar que a travessia do canal de Londres para Paris, era rápida e confortável e que o mesmo se dava no sentido inverso. Foi uma forma polida como sempre, que encontrou para cobrar dos amigos uma visita ao Withehaven Mansions na lendária Trafalgar Saquare. Os dois grandes mestres sabiam das dificuldades que enfrentavam em seus afazeres, que acabavam consumindo boa parte das suas vidas, restando muito pouco tempo para desfrutarem em viagens, mesmo que rápidas. 

     O almoço foi muito agradável e saboroso, gerando muitos elogios de todos para a grande cuisinier. Ela repetiu se referindo àquela iguaria, que tinha conseguido a receita com a dona de uma hospedaria na Ilha do Bucaneiro. Aproveitou, mesmo sabendo que o pequeno belga era avesso ao mar, para sugerir que passasse umas férias naquele paraíso.  

     A sobremesa era composta de uma torta de massa folhada, coberta por um  delicioso creme de avelãs. Era crocante nas extremidades e macia em sua parte central, onde tinha a maior concentração do creme. Como verdadeiros glutões, repetiram, quase deixando a travessa vazia.  Era um espetáculo de cores e sabores. O café foi servido quando todos já estavam instalados na parte de estar da ampla sala e a bebida a pedido de Eice, foi por ele preparada para mostrar como era um autêntico café brasileiro. Para sua satisfação, todos gostaram imensamente, a ponto de Louise pedir para que ele a ensinasse como preparar a bebida.

    Em seguida, Poirot abriu uma pasta onde tinha um extenso dossiê, ali se encontrava de forma detalhada todos os dados sobre o caso, desde as ações ainda no Brasil, passando pelas investigações em solo britânico, quando contaram com a inestimável colaboração da Yard através do inspetor chefe Japp. A essa menção, Maigret esboçou um sorriso um tanto maroto e indagou como andava o sisudo inspetor chefe. A resposta um tanto irônica de Poirot deu a entender que continuava o mesmo, sempre avesso aos métodos mais psicológicos, típicos das duas lendas ora reunidas naquela agradável sala.

     Louise que há pouco tinha retornado da cozinha, se encarregou de tornar o ambiente ainda mais alegre, sentou-se ao piano e com uma graça toda especial, passou a tocar trechos de peças de Debussy, por sabia que era o compositor preferido de seu ilustre hóspede. Este como que hipnotizado, desligou-se momentaneamente do assunto para se deliciar com a delicadeza das melodias. A reunião durou pouco mais de uma hora, onde cada um dos participantes já tinham uma ampla noção do que deveriam fazer nas horas e dias seguintes. Era evidente que todos dependiam principalmente do comissário Maigret, pois todos estavam em seus "domínios" e ninguém conhecia melhor que ele as facetas mais sórdidas da cidade luz. Este estava um tanto excitado, pois já tinha em mente um plano traçado para de forma rápida lograr êxito.  Além de atender uma solicitação de um amigo muito especial, era a oportunidade que tinha para dar forma a uma nova brigada de investigações que estava empenhado em criar e esta tinha como função principal, o desbaratamento de um tipo de crime até então pouco conhecido e que agora pelo seu crescimento, exigia investigadores experimentados e com conhecimentos especiais. 

     Foi nesse momento que Eice pode viver o seu momento de importância, pois ao longo de suas investigações, tornara-se um expert no assunto. Explicou que no seu país essas contravenções eram chamadas de crimes do colarinho branco, pois eram praticados por pessoas aparentemente honestas, na sua maioria políticos e por contarem com as benesses de uma justiça não muito ortodoxa e benevolente, sentiam-se encorajados a praticar toda sorte de falcatruas sempre bafejados pela impunidade. Disse ainda que a escalada desses crimes adquiriram a intensidade endêmica a ponto de fugir a qualquer tipo de controle. Foi esse quadro da falência ética das instituições que o motivaram a abraçar essa cruzada, onde em alguns momentos se sentia meio quixotesco quanto aos resultados, mas que agora com a possibilidade histórica de prender essa grande "ave de rapina".

     Agora via com grande euforia a possibilidade do primeiro grande passo rumo à restauração da ética e da honestidade em seu saqueado pais.

     O seu relato foi ouvido com muita atenção por todos, a ponto de reforçar em cada um, o compromisso de levar a cabo aquele caso, como diria Poirot, de importância internacional...




LC OLIV