quinta-feira, 20 de maio de 2021

      ...Após o almoço, continuaram reunidos discutindo os detalhes do caso ao som das peças de Debussy, graciosamente executadas por Louise. Esgotadas as trocas de informações sobre o caso, reuniram-se em torno do piano  que acabou transformando a tarde em  algo muito agradável e uma oportunidade para a esposa do comissário recuperar  parte de sua habilidade no instrumento.

     Atendeu alguns pedidos e encantou a todos com pequenas cançonetas parisiense, fechando com a lendária "la vie en rose", eternizada na voz de Édith Piaf. Fizeram uma pausa para um café, dessa vez um cremoso expresso preparado pela habilidosa pianista. Em seguida já  mais tranquilos, aproveitaram a ocasião para bombardear o visitante do Brasil, sobre as coisas do seu país. Foi uma oportunidade excelente tanto parta eles conhecerem algumas coisas de um país distante e exótico, como para corrigirem ideias fantasiosas que tinham por absoluta falta de referências mais competentes e sérias.

    Eice por sua vez, sentiu-se recompensado por essa chance e sentia-se orgulhoso à medida que falava do seu país. Ressaltou em mais de uma oportunidade que apesar de ser um lugar de contrastes extremos, no seu balanço, tinha motivos para se orgulhar de sua origem. Lamentou o fato de estarem vivendo uma fase de verdadeira era das trevas com relação à corrupção que reinava quase que livremente, face à impunidade, principalmente quando se levava em consideração a passividade e quase endosso das maiores cortes frente aos escândalos patrocinados pela classe política, que para ele talvez fosse a mais corrupta do mundo. Preocupado e não deixar uma impressão tão negativa, mencionou coisas que segundo ele, mostravam uma faceta mais positiva e citando algumas, terminou por fazer um pedido à linda senhora, uma peça reverenciada no mundo de Villa Lobos, as Bachianas Brasileiras. O pedido foi atendido por Louise com uma certa dificuldade, pois era algo difícil de executar principalmente com a ausência do solo cantado. Eice acompanhou num respeitoso silêncio e ao final sentia-se extasiado pelo entusiasmo dos presentes.

     Foram horas agradáveis e quase não notaram o passar do tempo e num sobressalto Poirot se deu conta do horário e entre escusas,  agradeceu a acolhida dos amigos, a excelência do almoço e agradecendo a Louise a indicação da Ilha do Bucaneiro como sugestão de alguns dias em férias a beira mar, algo que arrancou aplausos entusiasmados do Capitão Hastings, um grande apreciador do mar.

     Entre muitas mesuras e agradecimentos, deixaram a casa do comissário e já na rua optaram por caminhar um pouco até chegarem ao canal de Saint Martin. Eice sentia-se como num sonho, pois já pouco tempo atrás sequer imaginava um dia conhecer os mágicos boulevares parisienses. Notou que apesar de terem sido projetados há muito tempo, houve por parte de seus idealizadores toda uma preocupação paisagística, características mantidas e melhoradas nos dias atuais. Nesse momento lembrou com pesar e indignação, o desprezo dos governantes de seu país pelo patrimônio arquitetônico de suas cidades, muitas delas com forte influência européia, em troca de obras tacanhas e absurdamente desnecessárias. Uma constatação lamentável, aliás esse era o motivo pelo qual estava em Paris, na trilha de um desses criminosos e ao que tudo indicava, não tardaria muito, poria s mãos nele com a ajuda desses mestres da investigação.

     Após o pequeno passeio, resolveram retornar para Montmartre, de onde poderiam acompanhar sem criar nenhum tipo de inconveniente, as ações do comissário. Acordaram entre si que as visitas ao Quai des Ofevres ficariam a cargo de Poirot. Além de serem amigos, tinham algumas coisas em comum como o ofício de desvendar mistérios e crimes, sem mencionar o idioma comum aos dois. 

     Os dias que se seguiram, foram muito agradáveis apesar de toda a expectativa de algum informe, até que num  final de tarde quando retornaram para o hotel, foram avisados pelo gerente do hotel acerca de uma ligação do comissário. Poirot prontamente colocou-se em contato e as suas expressões e exclamações durante a ligação encheu a Hastings e Eice de muita expectativa e curiosidade. Ao final da conversa, um Poirot eufórico dava conta aos seus companheiros das novidades. As sondagens iniciais começavam a surtir  as primeiras e animadoras notícias. A força tarefa organizada contando com inspetores de vários setores incluindo os da nova brigada que tinha como foco maior, os crimes relacionados a lavagem de dinheiro. Informou ainda que tomaria o seu café da manhã com Maigret já às primeiras horas, de maneira que pudessem discutir os detalhes do caso com mais privacidade. 

     Resolveram jantar no pequeno restaurante cujo proprietário era conhecido de Poirot e por incrível que possa ter parecido, naquela noite o pequeno gourmet deixou o cardápio a cargo do anfitrião que os recebeu de forma calorosa e com a promessa de que se surpreenderiam com o que seria servido.

     Eice se sentiu um tanto desconfortável com a salada de talos de erva doce salpicada de alcaparras, algo que não apreciava muito. O prato principal, foi motivo para uma grande preocupação da sua parte,  pois nunca antes tinha provado pernas de rã e o receio de não gostar e de deixar isso evidente, transparecer, poderia parecer  uma indelicadeza de sua parte, mas para seu alívio, o sabor era extremamente agradável principalmente porque vinham acompanhadas por pequenas terrinas com um grosso e fumegante molho madeira.

     O anfitrião foi convidado a sentar-se com o grupo e tão logo soube que Eice era de um país distante, interessou-se pela culinária e de pronto elaborou uma série de perguntas acerca dos pratos mais apreciados. Durante a conversa verificou, com um certo prazer.,  que alguns deles já  eram conhecidos.

     Após o jantar foram apreciar a vista de Paris iluminada confortavelmente instalados nas escadarias da basílica, cercados por uma grande variedade de apresentações artísticas de grupos amadores que ali se concentravam. Foi nesse momento que Poirot mencionou a Eice que seria imperdoável ele voltar para o seu país sem conhecer o interior da basílica que aquele horário encontrava-se fechada. Ainda pelas palavras do pequeno belga que soube que o santuário seguia o estilo arquitetônico romano bizantino e que buscavam com essas características, que o ambiente tivesse o ar da casa de Deus. Era visível a total falta de conhecimento de Eice com relação ao assunto que a todo custo tentava dissimular com acenos de cabeça para um Poirot excitado pelos seus próprios conhecimentos.

     A noite de sono do nosso herói foi agitadíssima face o rumo das investigações que davam os primeiros sinais de resultados concretos e que faria com que imaginasse a projeção do seu grande feito. Imaginava-se sendo tratado com honrarias destinadas aos heróis nacionais...




LC OLIV