sábado, 26 de junho de 2021

     ...Apesar de uma noite insone, levantou-se disposto. As perspectivas animadoras o enchiam de um entusiasmo renovador. Tinha muita confiança no comissário parisiense. Havia algo nele que lhe transmitia não só muita confiança, mas a convicção de que as investigações seriam bem sucedidas. Após a higiene matinal, desceu para o café da manhã e os seus companheiros já estavam instalados `sua espera.

     Coincidentemente, todos confessaram o seu otimismo e o pequenino detetive informou que logo após o desjejum os deixaria para se encontrar com o comissário a fim de acompanhar de perto e informalmente participar da condução nas investigações, bem como na análise dos dados obtidos. Era um momento extremamente delicado ao qual ele chamava de trabalho de inteligência, onde se analisava tudo o que era coletado, dando uma forma para e rumo nas investidas. 

     Apesar de Paris ser uma grande cidade e com várias formas de vida acontecendo ao mesmo tempo, as famosas brigadas do comissário, conheciam os seus "guetos" como as palmas de suas habilidosas mãos. As primeiras noticias que chegaram á mesa do comissário, era do pessoal dos costumes e davam conta de alguns frequentadores estranhos nas últimas noite. Todos sabiam que a procura pelos estabelecimentos de entretenimento era de grande demanda, incluindo os turistas que eram sempre em grande número. Os dois grandes mestres liam e reliam com muitas atenção os relatórios e trocavam a todo instantes as suas impressões revelando uma  concordância em suas conclusões. Era notório o grande número de estrangeiros em visita a esses estabelecimentos, independente de buscarem a sorte nas mesas de carteado, como também na parte relacionada aos prazeres íntimos.

     O importante nesse momento, era ter acesso aos visitantes, sem que os mesmos suspeitassem de que estavam sob algum tipo de vigilância, principalmente se um deles fosse o tal senador. Discutiam as várias possibilidades de como levar a cabo a empreitada e como já estavam próximos do horário do almoço, resolveram continuar a discussão em algum restaurante próximo. Caminharam vagarosamente por algumas quadras e resolveram entrar num restaurante de cozinha árabe. Na entrada foram saudados pelo porteiro que demonstrou um grande prazer pela visita a ponto de saudar o anfitrião pelo nome. Ainda à entrada o comissário despreocupadamente esvaziou o cachimbo junto a um vaso ornamental, o que causou constrangimento em Poirot, mas que foi prontamente contornado pelo funcionário que a julgar pela sua reação, já deveria estar acostumado com o deslize, pois rapidamente retirou o fumo queimado antes mesmo que alguém pudesse notar.

     A escolha do cardápio foi rápida e Poirot acolheu com grande prazer.  Abriram com uma farta dose de um fortíssimo aguardente de anis. A bebida desceu literalmente queimando e Poirot tentou dissimular o desconforto, mas a dificuldade em respirar e a vermelhidão dos olhos o traíram provocando uma gostosa gargalhada no comissário. este por sua vez fez jus à sua fama de apreciador de bebidas, emborcou o conteúdo de um só gole e a um sinal pediu mais uma dose, o pomposo belga por sua vez recusou polidamente o oferecimento. Em seguida chegaram os pratos. Começaram com tabule acompanhado de homus que comeram em tiras de pão sírio habilmente cortadas pelo comissário, pouco depois, uma fumegante travessa com convidativos charutos regados em molho e uma kafta ao ponto acompanhada de duas grandes terrinas de molho vinagrete e para beber escolheram uma cerveja escura bastante encorpada e forte.

     Enquanto devoravam o almoço, discutiam as possibilidades da continuidade de suas ações e numa demonstração da qualidade de suas celulazinhas cinzentas, Poirot sugeriu que convocassem parta uma "visita de cortesia" ao Quai des Orfevres, os proprietários ou os gerentes das casas onde estavam fazendo as suas investigações, para uma amistosa conversa, onde solicitariam a cooperação mediante orientação do que deveriam fazer. Essa cortesia poderia ser recompensada de uma maneira bastante agradável em possíveis agrados por parte da brigada que os fiscalizava, esses pequenos benefícios dependendo do nível de cooperação, poderiam ser estendidos para o pessoal da fiscalização sanitária. 

     Terminada a refeição, recusaram qualquer tipo de sobremesa, mas aceitaram de bom grado o café típico. Tratava-se de uma forma especial de preparo onde não se coava o pó. Após tomarem a bebida, o comissário riu marotamente esperando que o detetive tragasse o conteúdo até o final. Este além de revelar conhecimento desse pormenor, lembrou aso colega das suas várias férias passadas em países árabes, alguns dos quais tivera alguns casos para resolver. O retorno foi rápido e tão logo chegaram, o comissário se dirigiu à sala dos inspetores e convocou o responsável pela brigada de costumes. As instruções foram curtas e precisas, apesar da dificuldade que teria em convocar todos os proprietários e gerentes para uma visita ao comissário onde discutiriam assuntos de interesse de ambas as partes.

     Ambos sabiam que as conversas do dia seguinte seriam difíceis e que teriam que se valerem de muita habilidade para convencerem os seus convidados que o que pretendiam eram informações que não os prejudicaria em nada, muito pelo contrário, já que uma vez obtidas poderiam se transformar em benefícios para todos. Traçaram um roteiro para as ações do dia seguinte e Poirot despediu-se deixando um comissário atarefadíssimo no preparo de todos os detalhes com os seus auxiliares.

     Antes de retornar para o seu hotel em Montmartre, onde os seus dois parceiros o esperavam ansiosamente, Poirot resolveu perambular um pouco pelas margens do Sena e o passeio foi um tanto  bucólico, fazendo com que  relembrasse trechos de sua vida. Passando por uma praça sentou-se em um banco e deixou-se durante  algum tempo ser embalado por suas reminiscências. Logo depois em um café, continuou entregue às suas lembranças.  A tentação de um café foi vencida, optando por uma enorme xícara de tisane bem quente que segundo ele era o melhor digestivo. Com a proximidade do crepúsculo dirigiu-se finalmente para o seu hotel, onde faria um relatório pormenorizado de suas atividades do dia e do que viria a seguir. Esses e outros assuntos com certeza discutiria com os seus pares durante o jantar. Apesar de confiante desde o início do caso, agora sentia-se mais seguro quanto aos rumos que tudo estava tomando e o seu habitual otimismo estava de volta...




LC OLIV