... Poirot chegou ao hotel já noite. Assim que desembarcou do taxi, pode vislumbrar os seus dois aflitos parceiros vindo ao seu encontro gesticulando e soltando exclamações de alívio e ao mesmo tempo de curiosidade pelas notícias de que certamente era portador.
Sem abrir mão dos seus hábitos, tirou o chapéu e as luvas e tentando acalmar os seus agitados companheiros, cumprimentou o gerente do hotel com uma imperceptível mesura de cabeça, indagando se havia alguma correspondência e para o desespero da dupla, dirigiu-se ao seu quarto, a fim de desfrutar de um de dos seus maiores prazeres como ele mesmo dizia, em seu toilette. Estes sem nenhuma alternativa não ser esperar, afundaram-se no sofá da sala de estar e pediram um drink para ajudar naquela angustiante espera.
Após uma eternidade de pouco mais de uma hora, o pequeno detetive, adentrou na sala trazendo consigo, uma nuvem perfumada. Com os cabelos ainda molhados e meticulosamente penteados, ainda massageava ambas as mãos como terminando de espalhar algum creme que era visível somente para ele. Sentou-se confortavelmente e nem bem tinha iniciado o seu tão esperado relato, foi interrompido pelo maitre informando que a mesa que lhes era reservada estava pronta. Imediatamente se instalaram e após uma rápida passada pelo menu, optaram por uma refeição mais rápida e não menos saborosa. Era um fettuccini ao molho branco, flambado dentro de um enorme parmesão fumegante, regado na saída por um denso e perfumado azeite, acompanhava pequenos escalopes de filet mignon mergulhados num denso e saborosíssimo molho madeira, aliás a receita desse molho era um dos segredos que o chef se orgulhava de ter criado o seu. O vinho, um chianti fortemente amadeirado, completava com um toque mágico, a explosão de sabores da noite. A escolha do menu foi uma coisa tão feliz, que chamava a atenção dos hóspedes das outras mesas, pelo aroma que apetitoso que espalhava.
Enquanto se deliciavam com a refeição, ouviam como que hipnotizados o relato dos acontecimentos na sede da polícia judiciária sob a tutela do comissário Maigret. Aquele tinha sido um dia fora de todos os padrões, já que praticamente toda a vida mundana de Paris tinha sido "convidada" para uma breve visita ao velho e conhecido Quai des Ofèvres. Os inspetores das várias brigadas, circulavam freneticamente pelos corredores e salas contíguas ao gabinete do comissário. Poirot instalou-se numa posição estratégica de forma que pudesse acompanhar a todos os interrogatórios, alguns rápidos e outros exageradamente demorados. Os entregadores da Brasserie Dauphine com os seus uniformes, já conhecidos de todos, tinham um salvo conduto para o acesso as salas.
O que se viu naquele memorável dia, foi algo um tanto inusitado, além do desfile de tipos exóticos, uma relação de grande cordialidade entre a autoridade policial e os proprietários das casas noturnas, que iam desde de pequenos e baratos prostíbulos, passando por boates riquíssimas onde mulheres deslumbrantes ofereciam os seus dotes em noites que poderiam chegar a somas incríveis. Esses estabelecimentos, mesmo de forma clandestina, colocavam à disposição de sua seletíssima clientela, toda sorte de jogos típicos dos grandes cassinos. Era uma realidade que muitos tinham conhecimento, mesmo sabendo que por força de ofício, deveriam combater. Essas atividades movimentavam somas altíssimas nas noites de Paris, algumas delas como o tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, eram duramente reprimidas, outras consideradas menos dolosas, contavam na maioria das vezes com uma certa indulgência por parte das autoridades.
O dia foi marcado pela raríssima reunião desses personagens que se diferenciavam das pessoas da vida cotidiana. Cada uma a seu modo, com traços que iam desde a forma de se vestirem, até ao falar, chegando em alguns casos a criarem um quase dialeto como forma de se resguardarem e de se protegerem contra qualquer tipo de perigo, coisa um tanto comum e necessária em seus mundos.
Já pelo final da tarde durante uma das infindáveis e "amistosas conversas" o proprietário de um cassino, acabou por reconhecer através da foto, como um dos seus visitantes, o escorregadio senador. Começou a frequentar a casa e passava grande parte da noite nas mesas de carteado e o que chamou a atenção sobre ele, foi a sua amabilidade para com os funcionários, presenteando-os com gordas recompensas por qualquer favor por menor que fosse. Movimentava grandes somas, mesclando ganhos e perdas, mas no final da noite quando se retirava, demonstrava uma certa preocupação com algo que não se pode notar o que era, mas ao que tudo indicava, com a sua segurança. Vinha sempre acompanhado de um tipo alto e forte que apesar de dissimulado, dava mostras de seu seu segurança.
Essas informações foram confirmadas por uma garçonete que acabou habilmente se aproximando do segurança e através de breves conversas, soube que eram de algum país da América do Sul. Estavam na cidade a cerca de dez dias e hospedados num luxuoso hotel para surpresa do comissário e de Poirot em Montmartre.
Finalmente uma luz na caçada e por ironia do destino, ele estava por acidente, nas proximidades das teias do grande Poirot. Imediatamente todos foram dispensados de suas convocações e Maigret passou o restante do dia extraindo tudo que pudesse da assustada garçonete que por pavor de ser envolvida ou acusada de algum ilícito, relatou tudo o que tinha descoberto. já no início da noite, ambos desceram para um drink, onde puderam ordenar tudo o que pretendiam colocar em prática já na manhã.
O comissário já havia destacado dois dos mais experientes dos seus inspetores, para percorrerem sos hotéis do entorno de Montmartre de com sorte, conseguiriam obter resultado em poucos dias.
Durante o jantar, Poirot com a sua característica pompa, relatou tudo aos seus dois excitadíssimos parceiros que finalmente viam suas peregrinações sinalizarem com a esperada recompensa. O momento agora era de uma grande cautela para não virem frustradas as suas investigações.
Após a refeição, o detetive dirigiu-se à gerência para solicitar uma ligação para a Scotland Yard, onde de forma premeditadamente eufórica, inteirou Japp das boas novas. Pela aparência de Poirot podia se imaginar como o inspetor chefe londrino devia estar se remoendo por estar distante e impedido de participar da parte mais interessante dessa investigação, com a iminente prisão daquele astuto estrangeiro...
LC OLIV