sexta-feira, 17 de outubro de 2014

...  Com receio de carregar traços sabe-se lá de que natureza em virtude de uma possível salada genética mal elaborada, ele tenta achar uma saída.
Ao mesmo tempo que se convencia de que a medicação era a causa de tudo aquilo, não tinha mais coragem de abandoná-la, o que o deixava numa situação extremamente incômoda, já que não tinha a menor idéia do que fazer.
Como já dissemos, o quarto era o laboratório dos seus experimentos.
Lá, vagarosamente analisou os fatos e convencido que eram os remédios que o catapultavam para aquelas situações, decidiu de impulso. Tomaria os comprimidos ainda durante o dia, sem sono  e veria as reações.
Cerca de uma hora após a ingestão dos "milagres químicos", sentiu-se sonolento. Resistiu o quanto pode, mas por fim acabou  adormecendo.
Sem que se saiba como, algo muito estranho começou a ocorrer. Era como se estivesse sendo decomposto materialmente e se transformando numa onda eletromagnética.
Essa energia aglutinada como se fosse um ectoplasma, deslocou-se sem rumo.
Eice sentiu toda essa transformação e em pânico, acompanhou tudo inerte.
Já na rua, foi envolvido numa corrente de vento, sentiu o deslocamento, como se estivesse dentro de um turbilhão.
Quando a coisa acabou, sentiu-se cuspido como a um feto parido em plena rua.
Estatelado na calçada e tentando recompor-se da estranha experiência pela qual tinha acabado de passar, estava nauseado, assustado e muito, mas muito curioso. Afinal, que diabos estava acontecendo?
Apesar de ter ingerido os remédios ainda de dia e a viagem que acabara de empreender não ter durado mais que alguns minutos, chegou ao seu destino já de noite.
Ofuscado pela iluminação noturna, mesmo assim tentou identificar onde estava. As luzes apresentavam um halo de névoa, indicando uma temperatura quase fria. Ficou algum tempo observando os insetos voando em torno dos focos luminosos. Aquela cena fez lembrar-se de uma música singela que fazia menção a uma dança das mariposas em volta das "lâmpidas prá se esquentar"...
Deslocando-se aos trambolhões, começou a identificar o lugar onde estava, principalmente quando avistou em uma de suas laterais, numa cota um pouco mais elevada, o grande teatro da cidade.
Agora tinha certeza, e o indefectível cheiro de urina acabou por lhe dar a certeza da sua localização.
Estava no centro de São Paulo, a outrora orgulhosa cidade por ter sido um dia o Berço dos Bandeirantes, hoje ostentava aquela marca nodosa em seu centro histórico, a de ser a Meca dos desvalidos, dos excluídos, dos miseráveis de todas as partes do país, que aqui chegavam como rebanhos assustados, com o sonho de fugirem dos dias da miséria extrema de seus estados natais...

5 comentários:

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  2. Gostei muito. Boa apresentação do personagem e desenvolvimento do perfil psicologico.

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  3. Essa é a realidade da sociedade em que vivemos e que poucos a observam e se sentem incapaz em muda-la.

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  4. A narrativa sobre Eice prova que a verdadeira "Literatura Realista" não morreu. A discrição objetiva da situação dos migrantes no centro da capital demonstram o drama e a angústia que essas pessoas passaram e passam na maior metrópole do País.

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