terça-feira, 28 de abril de 2015

... Uma vez em segurança,  notou que aos poucos a escaramuça foi arrefecendo.
 As pessoas se dispersando até mesmo para fugirem da ação policial que a essa altura, era extremamente violenta.
Já a caminho de casa ainda muito assustado pelo que acabara de presenciar, aliás algo que jamais poderia supor que pudesse acontecer um dia consigo, principalmente levando em consideração o fato de presenciar a perda de um amigo de uma forma tão violenta.
Esse tipo de choque na realidade viria a demonstrar claramente, o quanto os envolvidos naqueles protestos estavam despreparados para o que se propunham a fazer.
Para o Eice observador ficou evidente o que se urdia por trás das cortinas do cenário político nacional.
Mais uma vez a história se repetia, grupos antagônicos se degladiando em busca de uma verdade que muitos sequer sabiam qual era.
Em alguns momentos, as manobras chegavam  a lembrar a Teoria da Conspiração dos Illuminati, que nada mais era do que fomentar conflitos entre grupos opostos, que ao longo do tempo tenderiam a se enfraquecer e a partir desta fragilidade resultante, viriam a se beneficiar de uma forma anônima, com os rumos que os acontecimentos  tomariam,  permitindo um ganho significativo para os seus idealizadores.
Já próximo de sua casa, tinha que passar por um processo de controle  emocional, onde ninguém de sua família viesse a perceber ou sequer supor, mesmo que remotamente,  das atividades em que estava metido.
Aqui cabe um parênteses de cunho explicativo para tal procedimento e ao mesmo tempo que justificasse essa necessidade.
O Eice vinha de uma família com tradição em atividades  políticas.
Ostentava com orgulho, o fato de ser primo  do Tenente Siqueira Campos que fez parte da história do país, quando teve papel de destaque em alguns episódios que viriam a ser conhecidos mais tarde como os movimentos tenentistas.
Além da participação do Movimento do Forte de Copacabana, o Tenente Siqueira Campos também participou da Coluna Prestes, que dispensa maiores comentários, dada à sua importância, inclusive devidamente gravada nos anais da nossa história.
Nesta época,o final da década de sessenta, mais precisamente o ano de 1969,  a repressão embora não fosse muito temida, já dava mostras do quanto viria a ser perigosa para aqueles que viessem a contestar essa nova ordem política.
Outra pessoa de sua família que teve um papel neste processo foi seu pai, que na condição de jornalista ajudou a denunciar através da imprensa,  a intenção do governo brasileiro de  enviar  tropas para participar da Guerra da Coréia, na década de cinquenta.
A publicação desta notícia não só abortou a iniciativa, como viria mais tarde a valer uma série de retaliações contra o seu pai, o que obrigou a sua família a ter que se esconder e a viver de uma forma clandestina durante muitos anos.
Embora esse fato tenha ocorrido, como foi dito na década de cinquenta, o seu pai ainda não estava totalmente livre de qualquer tipo de ação oficial, daí a extrema cautela para todo e qualquer tipo de atividade de cunho político, naquela família...
LC OLIV





quarta-feira, 1 de abril de 2015

... O Palco e o Tempo
Um dia qualquer do ano de 1969.
No âmbito político do país, o auge dos efeitos do AI-5.
São quinze horas de uma quarta feira desinteressante.
Uma grande concentração de estudantes na Av. Ipiranga, uma artéria emblemática do centro da cidade de São Paulo.
Na confluência com a  Rua da Consolação próxima da grande igreja,  esse mesmo grupo composto  de aproximadamente trezentes pessoas, desce como um bloco em direção à Praça da República.
Chegando em frente ao Hilton Hotel, já quase na esquina da Rua Major Sertório, mais precisamente na rua Araújo, aglomeram-se desordenadamente e gritam palavras de ordem como repúdio por um estabelecimento de origem estrangeira, algo muito comum nos protestos de então.
As hostilidades na realidade eram desnecessárias, visto que ofender o pessoal de um hotel americano não era uma coisa muito inteligente, mas na época aquilo era um exemplo típico da ação visceral e portanto, pouco sensata, que as manifestações tinham como perfil.
O foco era demonstrar a insatisfação que alguns  segmentos da sociedade tinham  pelos rumos nada democráticos que o país estava tomando e a crescente influência do capital estrangeiro na economia do país.
A impressão incial que Eice teve como expectador, foi novamente a ideia de insetos manipulados.
Reiniciando cortejo e chegando na altura do Edifício Itália, já bem próximos da Av. São Luís, os estudantes foram confrontados por uma tropa de cavalaria, que subia na direção contrária com extrema truculência, agredindo tudo que surgia pelo caminho, com  o objetivo de dispersar a qualquer custo, aquela horda de baderneiros.
A ideia de rotulá-los como ameaças à segurança nacional, surgiria mais tarde até como uma sofistificação dos organismo de inteligência, que na época norteavam  as ações do governo e interferiam em todos os setores da vida política e econômica do país,  não como um "norte" a ser seguido, mas algo a ser temido.
O confronto foi como de se esperar, um pequeno massacre.
Os estudantes além do estardalhaço, a única coisa que dispunham eram alguns poucos que portavam estranhos sacos de tecidos, presos à cintura,  repletos de bolinhas de gude. Outros as transportavam nos bolsos das próprias calças.
Com a chegada dos cavalos, os jovens jogavam as bolinhas de gude que acabavam por derrubar os pobres animais e seus respectivos cavaleiros.
Foi tomado de um grande emoção que o Eice se viu um adolescente de 16 anos, magérrimo, olhos arregalados,  jogando as tais bolinhas e alertando aos brados,  para a chegada dos "frações aparentes".
Essa era uma gíria, ou código que usavam para identificar a tropa de cavalaria. Na verdade, fração aparente se caracterizava, quando o numerador era igual ao denominador, na realidade um inteiro.
Muitos estudantes apanharam mais tarde quando os policiais entenderam o significado dessa intrigante e pouco elogiosa denominação.
A escaramuça foi muito desigual. Enquanto os policiais além dos cavalos e fardas protetoras, portavam cassetetes, bomba de efeito moral e armas de fogo, os estudantes eram tremendamente vulneráveis e não dispunham de nenhuma forma de proteção...
Além da gritaria e deslocamentos rápidos, pouco ou nada podiam fazer.
Do lado oposto à Praça da República, exatamente entre as rua Barão de Itapetininga e Sete de Abril, cerca de meia dúzia desses  garotos, foram encurralados por policiais.
Ao tentarem desordenadamente fugirem, foram agredidos e repentinamente, ouve-se o estampido de um tiro.
Assustado como um coelho, Eice vê o seu companheiro a menos de um metro de si, tombar alvejado por um tiro no rosto.
O choque foi tão grande que ele ficou por alguns instantes petrificado, o que o deixou vulnerável.
A tensão foi tamanha que provocou no Eice expectador a decisão de interferir na cena para salvar a si próprio, tamanho foi o impulso de preservação.
Tal ato criaria  um dilema, pois a sua proposta de retorno era a de ser apenas  um mero observador, mas diante do risco agiu por impulso.
Num salto típico dos movimentos de um artista marcial, agarra o garoto pelo braço e o arrasta para fora da zona de perigo.
Este meio atônito quando se dá conta do acontecido, tenta agradecer, mas o "seu velho eu", já tinha se afastado e misturado-se  ao caos de  pessoas.
A visão do seu amigo e colega de escola caído no chão envolto numa poça de sangue, criou um trauma que o acompanharia por um longo tempo de sua vida...
LC OLIV