... Assim que deixaram o hotel, dobraram à esquerda. A julgar pelas pequenas rajadas de vento que varriam as calçadas espalhando folhas secas, com certeza estavam no outono, a sua estação preferida. Nem muito frio e muito menos aquele calor sufocante e anti-higiênico do verão. Além disso, era a estação que ele chamava de meia luz onde tudo era mais aconchegante e confortável, desde o cardápio até o vestuário. Na sua opinião, tudo era melhor. Apesar da euforia, nada passava despercebido ao seu atento olhar.
Já na quadra seguinte, passou a observar a arquitetura, numa mescla de estilos, desde o indefectível vitoriano até o art nouveau, Ficou vivamente impressionado com o espetáculo, verdadeiras obras de arte, sem mencionar os jardins, lembrando telas impressionistas ao vivo. Tudo muito florido e cuidado com extremo capricho e bom gosto.
Outra coisa que chamou a sua atenção, eram os nomes das residências, algo meio exótico, desde os de família lembrando o culto aos clãs, chegando a nomes de batalhas de campanhas militares nos confins do império, algo meio ufanista típico do orgulho inglês. Estava realmente eufórico, embora aparentemente impassível, o capitão com ar de plena satisfação dava mostras de regojizo pelo impacto do seu acompanhante com as belezas quotidianas britânicas. Esse percebendo a sua reação por tudo que desfilava diante de seus olhos, orgulhosamente adotou uma postura de guia explicando professoralmente, todas aquelas maravilhas, até então inusitadas para ele.
Pouco depois, ao virarem uma rua pode deparar com a tão esperada praça. A Trafalgar Squire, era um local amplo, totalmente arborizada com espécies das mais variadas, algumas de copas densas, ideais para abrigar os pássaros. Por se aproximar o crepúsculo, o barulho do grande número de pássaros em busca de abrigo era agradável, podendo se ver vários deles pulando pelos galhos à procura de um canto mais acolhedor para mais uma noite.
Era totalmente cortada por alamedas limpíssimas e junto aos jardins, mesas de alvenaria com tabuleiros desenhados destinados para os aficionados de xadrez, aliás um jogo extremamente apreciado naquele país. Não demorou muito, pode divisar no extremo oposto de onde estavam numa linha reta, o imponente e majestoso prédio, destino final dessa caminhada.
À medida que se aproximavam, experimentou uma sensação de euforia que chegava afetar a sua respiração. A contração do plexo foi tão grande, que sentiu a calça se afrouxar um pouco na cintura, a garganta ressecada.
Chegando na calçada fronteiriça do prédio, pode ler o seu nome encimando a porta de entrada com letras góticas, Whitehaven Mansions. Para ele era como se estivesse às portas de um templo sagrado,o que de uma certa forma não deixava de ser verdade, pelo meno para ele. O capitão fora reconhecido pelo porteiro que ostentava um porte marcial, trajando um impecável uniforme com toques de roupa militar de gala, inclusive com luvas e numa respeitosa reverência,o recebeu.
Perguntou se a ida à Cornualha tinha sido proveitosa, demonstrando saber de todos os passos da famosa dupla. Fez questão de acompanhá-los e abrir a porta do elevador. Foram cinco lances de subida onde experimentou um friozinho no estômago. Saíram por um corredor amplo ornado por vasos floridos.
Ao chegarem ao apartamento 53, o capitão tocou a campainha e pouco depois, foram recebidos pela secretária que lançou sobre ele um olhar discretamente curioso. Sentiu-se envolvido por um aroma de algo que não soube definir, mas agradabilíssimo e que julgou ser uma lavanda, muito provavelmente, francesa.
Vindo da sala de estar, os acordes inconfundíveis de Debussy, reconheceu Clair de Lune. Foi nesse exato instante que surgiu o grande mestre,com os seus passinhos curtos e frenéticos, para recebê-los. Trajava por cima da roupa um avental imaculadamente branco com um monograma bordado no lado esquerdo, revelando a sua preocupação com a elegância, mesmo quando exercia os seus talentos culinários.Talento que por sinal dava mostras, a julgar pelo delicioso e totalmente desconhecido aroma que vinha da cozinha.
Todo sorridente, saudou-o com uma mesura e um entusiástico "bienvenue monsieur Eicê"...
LC OLIV
Bienvenue monsieur Eice.
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