terça-feira, 28 de abril de 2020

     ..... Apesar do cansaço, a excitação que ainda sentia retardou  em muito o seu sono. Perdeu a conta de quantas vezes rememorou aquele jantar. As lembranças iam desde o momento que chegou ao prédio, a subida eletrizante pelo elevador até o quinto andar, a chegada ao apartamento. A convicção de que o número 53 a partir daquele dia seria o seu número mágico. O perfume do ambiente, o piano com os acordes de  Debussy, a recepção e a sucessão de tudo o que viria até a despedida para o  retorno ao hotel.
     Revirava-se sem trégua na cama até  que por fim acabou adormecendo. Foi um sono pesado e ao mesmo  tempo agitado. Ás primeiras horas da manhã, despertou assustado com receio de ter dormido muito. Acalmou-se quando se deu conta de que dispunha de algum tempo para ainda permanecer descansando. Ainda assim, preferiu se levantar e fazer o seu asseio sem atropelos. Barbeou-se com muito capricho, em seguida tomou um longo banho e escolheu um terno muito elegante na sua cor preferida. Afinal tinha que se esmerar, pois dali  há pouco estaria, na presença de uma das pessoas mais elegantes que já  tinha tido a oportunidade de conhecer.
     Uma vez pronto, desceu para o restaurante do hotel, comunicou que estava aguardando a chegada de uma visita e dirigiu-se para uma das mesas onde pediu uma xícara de café puro. Cerca de vinte minutos avistou o capitão chegando. Este com os cabelos ligeiramente molhados, tinha o rosto um tanto rubro denotando um certo exagero no barbear. Tomaram mais um café e pouco depois deixaram o hotel rumo ao memorável  Whitehaven  Mansions.
     No caminho mais uma vez, pode observar embevecido as vivendas ao longo do trajeto, já com uma certa intimidade. A chegada foram  mais uma vez recepcionados com mesuras dos funcionários que fizeram questão de acompanhá-los até o elevador. Ao toque da campanhia, foram recebidos pela secretária que exibiu um sorriso discreto, indicando que era bem vindo, algo raro num inglês principalmente em se tratando de estrangeiros.
     O anfitrião já estava à mesa, dando os costumeiros retoques segundo os seus caprichos estéticos. A mesa estava farta e com aparência  convidativa.  Uma mescla agradável de vários aromas, para o apetitoso desjejum. Poirot degustava croutons com um queijo cremoso acompanhado de uma exótica xícara de café. Já o capitão e a secretária, ambos ingleses, não dispensaram os ovos com bacon, acompanhados de crocantes torradas com manteiga.
     Durante a refeição, conversaram animadamente sobre amenidades, algumas delas para satisfazer a curiosidade dos presentes com relação ao país tropical de onde viera. Respondia com cortesia, mas se sentiu um tanto incomodado, pois ficou com a impressão que o viam como a uma atração exótica, tal qual num parque de diversões.
     Já ao término, a secretária se levantou para telefonar para o inspetor chefe da Yard. Retornou informando que dentro de no máximo uma hora, ele estaria presente para a reunião. Britanicamente pontual, o inspetor chegou. Era um tipo alto, claro, com cabelos meio arruivados, um olhar penetrante que combinava com um queixo meio quadrado e que lhe davam um  aspecto não muito inteligente.
     Este após os cumprimentos de praxe, aceitou de bom grado uma xícara de café e enquanto sorvia a  aromática bebida, de forma dissimulada o observava atentamente.
     O anfitrião pomposamente expôs todo o caso e as vezes confirmava com Eice alguma informação, mais por cortesia. Em seguida o inspetor fez algumas perguntas para ambos e cuidadosamente anotava tudo num pequeno bloco com capa  de couro preto que ostentava um enorme Y gravado na cor dourada.
     Assumindo o comando da conversa, o pequeno detetive, sugeriu a todos algumas tarefas preliminares e combinou que todos ao final da tarde, deveriam se reunir ali para trocarem suas impressões. O inspetor chefe disse que iria destacar dois de seus homens para as investigações de campo. As que cabiam a Eice, por sugestão de Poirot, seriam levadas a cabo com a colaboração do capitão Hastings. Com escusas a todos, o inspetor se retirou porque tinha em curso uma importante investigação em fase final, que dependia de suas instruções para colocarem as mãos sobre um contrabandista de diamantes.
     A caminho do hotel, sentia-se reanimado e profundamente otimista com relação ao seu objetivo maior e já antecipava mentalmente o seu  triunfo e as consequências que tudo isso iria permitir...



LC OLIV
   

sexta-feira, 3 de abril de 2020

     ... Atendendo a um cerimonioso convite do anfitrião, todos se prepararam para o esperado banquete. Desnecessário seria dizer que num ambiente tão estéreo como aquele, que todos procurassem onde lavar as mãos. Foi conduzido gentilmente pelo capitão a um lavabo. Apesar de ser um espaço reduzido, era arejado, claro e recendia à mesma fragrância que perfumava todo apartamento. As toalhas caprichosamente colocadas no gabinete, eram de um branco que ofuscava. Com receio de respingar água no chão imaculadamente limpo, abriu ligeiramente a torneira e servindo-se de um sabonete líquido, cujo odor que  não soube identificar, parecendo-lhe algo doce, acabou rindo do seu impulso meio absurdo, o  de provar o  seu sabor.
     Enxugou-se vagarosamente e com muito cuidado tentou recolocar a toalha na mesma posição em que a encontrara. Finalizou se olhando no espelho, onde retocou o cabelo com as pontas dos dedos, ajustou a roupa e não muito satisfeito com a imagem, retirou-se em direção à sala de refeições. No curtíssimo espaço que percorreu de volta, conseguiu pensar no surrealismo daquele momento mágico, que jamais um dia poderia imaginar viver.
     O local reservado para as refeições, estava num plano superior ao da sala de estar, uns três degraus acima, num amplo espaço. Na entrada, nas laterais,  dois grandes vasos com esculturas em alto relevo, lembrando segundo acreditou serem figuras mitológicas que não soube identificar. Foi recebido pelo pequeno detetive de forma muito calorosa e sentiu-se meio desconcertado quando foi conduzido a uma das cabeceiras da mesa. O gesto era de cortesia, dava conta do apreço com que estava sendo recebido, acabou misturando inibição com orgulho.
     A disposição dos pratos, talheres, taças e guardanapos, causo-lhe um certo temor, pois  não estava habituado a ambientes refinados e naquela noite debutava na mesa de jantar de ninguém menos que Hercule Poirot. Após acompanhar a acomodação de todos, ocupou a outra cabeceira da mesa e num gesto algo teatral, soou uma graciosa sineta, poucos segundos depois, George entrou e dirigindo-se respeitosamente ao seu amo, aguardou meio curvado as solicitações. Retirou-se quase invisível para retornar pouco depois trazendo uma enorme travessa que além de fumegante, exalava um aroma extremamente apetitoso. Depois de algumas indas e vindas, finalizou trazendo três garrafas de um vinho da carta pessoal de Poirot. Era um beaujolais  safra de 15 anos, importada da França, no sul da Borgonha, produzido num  vinhedo de um antigo amigo.
     Enquanto as iguarias eram trazidas para a mesa, o anfitrião abriu uma garrafa de vinho e após servir  os presentes, propôs um brinde um tanto insólito, fazendo menção das celulazinhas cinzentas, que todos sabiam a quais se referia.
     Em seguida, serviram-se como abertura, de croutons com caviar, enquanto o eficiente George servia os pratos. Foi nesse momento que se sentiu um tanto embaraçado com a grande quantidade de talheres e de diferentes tamanhos. Ficou em dúvida se começava da direita para a esquerda ou ao contrário. Acabou embarcando na sequência do capitão,  tentando dissimular a sua falta de hábito.
     O detetive com um guardanapo em torno do pescoço, comia com grande  apetite, alternando com pequenos goles do vinho. Foram servidos os mexilhões com batatas fritas, seguidos dos tomates aux crivettes que ele tanto queria saber do que se tratava. Para o seu grande prazer, eram enormes camarões num molho de tomates e mais alguns ingredientes que não soube identificar divinamente temperado e acompanhado de um arroz com ervas finas.
     A ceia transcorreu num clima agradável, todos davam vivas mostras de satisfação e como diria o pequenino belga, um dos maiores prazeres que se podia ter na vida, o de saborear finas iguarias na companhia de pessoas queridas. Já no final, foi erguido mais um brinde, dessa vez em homenagem às grandes amizades.
     Em seguida George entrou com uma enorme travessa, tendo  no cento, um enorme e atrativo pudim de passas. Era de  um tom bege, repleto de passas entranhadas e muita calda. O sabor era difícil de se explicar, mas algo misturado de caramelo com minúsculos pontinhos de fava de baunilha.
     Sentiu-se constrangido em repetir, mas acabou se arrependendo. Terminado o banquete, voltaram para a sala de estar, onde seria servido um perfumado café expresso. Nesse momento Hastings tomou a palavra e passou a fazer um breve relato do motivo da presença de Eice em Londres, após o que o detetive quis ouvir do próprio convidado, um detalhamento minucioso do caso.
     Eice foi ouvido com muita atenção por todos e notava no detetive expressões de satisfação. Após discorrer sobre tudo, onde enumerou os fatos mais importantes de forma a parecer um relatório, ouviu um comentário altamente elogioso sobre a sua apresentação. "Está vendo Hastings? .Como sempre digo, tudo é uma questão de ordem e método."
     Após uma breve análise, pediu para sua secretária que tentasse agendar com o Inspetor Chefe Japp da Yard, uma reunião  para a manhã seguinte,  a fim de tomar  conhecimento de tudo que fora relatado. Em seguida a conversa tomou rumos mais amenos, onde acabou falando do seu país para os presentes e no final respondeu a uma série enorme de questões, satisfazendo a curiosidade de todos sobre uma cultura um tanto diferente e porque não dizer, exótica para eles até pela falta de informações mais precisas.
     Terminado o jantar e com o avanço das horas, se despediram e foi  gentilmente acompanhado pelo capitão ao seu hotel. Assim que chegaram e a convite do seu acompanhante, dirigiram-se para o bar contíguo ao salão de refeições onde tomaram  um drink. Ele um licor de laranja e o seu companheiro, um indefectível scotch com água. Despediram-se  e ele subiu para o seu quarto, com a certeza absoluta que aquela noite mágica, seria para rememorar e contar para os amigos o resto de sua existência...



LC OLIV