... A travessia foi tranquila, durando em torno de uns cinquenta minutos, apesar de uma densa bruma presente durante todo o trajeto. Hastings acompanhado de Eice, postou-se no convés a fim de apreciar melhor a paisagem, mesmo com a visibilidade reduzida. Falava em voz alta, pois o vento naquele momento era forte dificultando qualquer tipo de conversa. Poirot por sua vez como um bom fóbico, preferiu a parte interna da embarcação, de forma que não precisasse ver o mar e as ondas que naquele momento se não eram altas, eram agitadas, a ponto de tornar o navegar um tanto agitado.
A atracagem foi um tanto trabalhosa, visto que as águas estavam bastante turbulentas, além de um grande número de embarcações que tiveram as suas partidas e chegadas prejudicados pelos mesmos motivos, provocando um princípio de caos no embarcadouro. Nesse instante, era visível a irritação de Poirot, que ansiava por colocar os pés em terra firme. Sentia-se assim toda vez que era obrigado a deslocamentos pelo mar ou pelo ar. Sempre fora adepto e defendia vigorosamente as viagens através dos automóveis ou quando de grandes distâncias, através de trens, por serem os seus transportes preferidos tanto pela segurança, como pelo conforto.
Após alguns desencontros, finalmente conseguiram colocar as bagagens em um automóvel que prontamente se dirigiu para um hotel em Montmartre, por indicação do detetive. Chegaram ao destino em menos de vinte minutos. Era um estabelecimento de arquitetura bem antiga, revelando ter sido uma grande vivenda num passado distante. Com algumas adaptações e contínuas reformas, adquiriu um toque bastante peculiar e aconchegante.
A maneira como foram recebidos pelo proprietário, demonstrou uma intimidade de longos anos. Ficaram bastantes surpresos quando este revelou que Poirot fora hóspede fixo por um longo período naquele estabelecimento nos anos que antecederam a grande guerra. A insegurança gerada pela iminente chegadas das tropas nazistas, obrigou muitas pessoas a deixarem as suas acomodações, buscando lugares mais seguros. Como a França era um dos alvos cobiçados por Hitler, pouco depois da invasão, Poirot se viu obrigado a se deslocar para a Inglaterra, chegando após algum tempo ser instalado numa grande casa alugada pelo governo para hospedar refugiados e alguns ingleses feridos no front e foi nessa casa que se daria o emblemático encontro de Styles, onde o belga iniciou toda a sua brilhante carreira ao lado do então tenente Hastings.
Cessadas as gentilezas e mesuras, Poirot pediu três acomodações de solteiro e foi nesse momento tomado de uma agradável surpresa, quando o anfitrião o informou que o quarto que ocupara no passado, estava disponível. O pequeno belga não escondeu a sua enorme satisfação por tão feliz coincidência e ficou ainda mais radiante ao saber da transformação do mesmo em uma confortável suíte, pois para ele ter um banheiro privativo era algo a que dava uma grande importância.
Depois de devidamente instalados em suas respectivas acomodações, encontraram-se na sala de estar, onde decidiram rapidamente, pelo local do jantar. Poirot estava faminto, visto que por conta de seu nervosismo momento antes da travessia, se absteve de comer por causa das fortes náuseas de que fora acometido. Agora em terra firme, sentia-se revigorado e a possibilidade de degustar iguarias de uma culinária que sempre apreciara, aumentava tanto o seu paladar quanto o seu entusiasmo.
Deixaram o pequeno hotel conversando animadamente e optaram por irem a pé, pois a noite além de uma temperatura agradável, tinha um céu cravejado de estrelas, além dos perfumes dos jardins tão abundantes naquelas redondezas. Cerca de quinze minutos depois, chegaram a uma ruela calma e pouco iluminada, pois as copas das árvores encobriam as luminárias. Cerca de uns cinquenta metros a frente, uma edificação se destacava das demais exatamente pela claridade dos seus letreiros, onde se lia "Grillades et Cassaroles".
Era uma residência térrea, adaptada para um estabelecimento comercial, mas que mantinha muito de suas características originais. À entrada, três janelas com vidros transparentes, tendo na parte interna, cortinas da metade para baixo, deixando visível apenas um pequeno detalhe do seu interior.
A decoração era propositadamente rústica, com paredes de reboco em alguns trechos trincados e em outros com tijolos aparentes e forradas de pequenos quadros com pinturas retratando paisagens campestres. Foram recebidos de forma bastante simpática o que os deixou bastante à vontade. A escolha do cardápio ficou por conta de Poirot que acabou optando por um Goulash Húngaro Tradicional e enquanto aguardavam pelo prato pedido, foram servidos por um encorpado e escuro vinho acompanhado de enormes e temperadas azeitonas, servidas em terrinas regadas num azeite muito verde, com fartas fatias um pão meio sovado, característico da região, de uma textura extremamente macia.
Pouco tempo depois chegava o prato principal e foi visível a satisfação de Poirot ao notar a expressão de aprovação dos seus convidados, assim que degustaram aquele estranho prato. Finalizando o jantar, foram brindados com grandes e congeladas taças contendo frutas picadas com cores variadas e regadas por um licor que não souberam identificar. Finalizaram com um café expresso e pouco depois, pesadamente deixaram o local retornando para o hotel.
Ainda no caminho de volta, foram brindados com mais uma surpresa, pois Poirot os levou para conhecer a Basílica de Sacré Coer, um dos pontos mais encantadores de Paris, o marco maior e mais emblemático de Montmartre. O espetáculo era realmente algo deslumbrante, não só pelos perfumados jardins, como pelas suas escadarias monumentais e também pelo grande número de pessoas. Após o primeiro lance de escadas, quando já estavam já perto do topo, sentaram-se como muitas outras pessoas, para apreciar umas das visões mais empolgantes do mundo, a de Paris a noite. Enquanto embevecidos desfrutavam daquilo, poucos metros abaixo, um rapaz tocava numa harmônica típica, a apaaixonante Sous le ciel de Paris. Durante a execução, vários casais aproveitaram o espaço no patamar entre as duas escadarias para dançar, fechando de forma bastante festiva a execução que por sinal, a pedido dos presentes, foi repetida várias vezes.
Findado o improvisado espetáculo, retornaram para o hotel, onde passaram uma repousante noite e com a perspectiva de uma agradável estadia pelos próximos dias...
LC OLIV