domingo, 6 de dezembro de 2020

      ... Após o anúncio da viagem para a grande capital vizinha, todos foram tomados de uma certa euforia, a exceção é claro do infeliz e taciturno inspetor da Yard. Sentia-se de alguma forma posto de lado pelos seus companheiros e ainda por cima um ponta de ciúmes o corroía, pois tinha vívidas as lembranças de todas as vezes que Poirot se referia ao comissário parisiense, como uma pessoa muito além do ordinário da maioria das pessoas, tanto no que se referia ao seu intelecto, como também às características de suas investigações, a forma como conduzia a sua equipe, sempre calcado no lado humanista e que sempre provocava nas pessoas uma grande admiração e respeito pelos resultados obtidos 

     Toda vez que era questionado sobre esses sucessos, tinha sempre a mesma explicação. Os seus casos os enxergava como dramas humanos e só conseguiria entendê-los, se fizesse parte dele como se fosse um membro da família, um parente ou alguém muito próximo do ator principal da trama ora investigada.

     Um conceito do qual se valia e  que usava com muita frequência e que ele entendia como algo extremamente necessário para o sucesso de qualquer investigador, o de ser uma pessoa dotada de uma forte empatia e enxergar sempre o fatos ou os fatos que se apresentavam, pelo lado psicológico,  examinando e analisando o perfil de todos os envolvidos. Em alguns momentos se fosse necessário, sentir-se na pele do suspeito.

     Para Poirot, esse era o estilo que mais apreciava, que ele resumia numa frase já célebre, usar as celulazinhas cinzentas do cérebro. Colocar-se em alguns momentos como um grande e privilegiado expectador de uma peça teatral e a partir da representação dos atores, chegar a uma inequívoca conclusão.

     Para o inspetor da Yard, esse era um estilo que não o agradava muito, já que era adepto de mais ação e menos de análises intelectuais de gabinete. Entendia que a vida policial era no campo farejando pistas como um cão de caça, fustigando sem tréguas, tentando de todas as formas possíveis encurralar o suspeito até o momento final, que culminava com a sua confissão,  detenção e a consequente solução do caso.

     O pequeno detetive já tinha traçado um meticuloso mapa mental do roteiro que seguiriam, desde a chegada a Paris. Onde se hospedariam, os lugares das refeições, oportunidade de rever alguns velhos conhecidos e o prazer de degustar iguarias que só se encontrava em Paris.

     A opção por Montmartre, se deveu não somente pela logística e beleza do local, mas também pelo lado emocional, pois foi ali que viveu um período inesquecível de sua vida. Foi quando conheceu Jules Maigret, um jovem e promissor policial que ainda era lotado em subúrbios de menor expressão e que com o passar dos anos e devido ao seu grande talento, foi galgando não somente melhores distritos, como  a ascenção a novos postos hierárquicos até chegar no famoso Quai des Orfevres às margens do Sena, na condição de comissário.

     Os dias que se seguiram, foram de muita atividade para o trio. Eice optou por continuar em seu hotel, pagando adiantadamente a sua hospedagem e solicitando da gerência o cuidado com a sua correspondência, bem como uma estrita atenção se durante a sua ausência fosse procurado por alguma pessoa, ou qualquer coisa suspeita. Uma gratificação antecipada e reservada acabou por conseguir por parte do funcionário, um colaborador entusiasmado.

     Em Whitehaven Mansions, Poirot tinha anotado tudo e cobrava de sua secretária cada ítem como se estivesse conferindo um valiosíssimo inventário. Em alguns momentos a impressão que se tinha, que o detetive iria embarcar para uma grandiosa "turné autour du monde", a julgar pelo volume de sua bagagem. Apesar de todos os afazeres, as investigações continuaram em seu ritmo normal, tendo todas as manhãs reuniões pelo café da manhã, para que todos pudessem se reportar em suas ações. Apesar do seu descontentamento, o inspetor era bastante meticuloso na apresentação de suas atividades e de sua equipe. Não fazia muita questão em demonstrar o seus descontentamento com a viagem do trio e que a impossibilidade de acompanhá-los o desagradava profundamente. A sua irritação aumentava visivelmente quando percebia que ninguém notava o seu estado de ânimo. Mantinha uma tênue esperança de que naqueles dias, algo pudesse acontecer como um fato novo para mudar o curso das investigações. Era um desejo quase infantil que carregava dentro de si, onde se via o protagonista maior da solução do caso e orgulhosamente receber os louros pela solução de um caso de "importância internacional".

     Finalmente o grande dia tinha chegado. O veículo que os conduziria até o porto, estacionou na porta do prédio com três hortas de antecedência. A chegada se deu rapidamente e Poirot um tanto excitado acompanhava tudo, desde as bagagens, como os bilhetes de embarque e a localização da embarcação que os levaria.  Japp valendo-se da sua condição de policial, sentia-se um pouco recompensado ao ver que estava sendo atendido prontamente por todos os funcionários e como uma deferência permitiram o acesso do trio mesmo tão cedo, para se acomodarem da maneira mais confortável. 

     Era uma grande lancha que podia transportar cerca de 50 pessoas confortavelmente e a duração da travessia do Canal, levaria em torno de 45 minutos. Hastings nesse momento, portava-se como um guia turístico e dava explicações para Eice. Além disso, como amigo íntimo do detetive, sabia que este iria procurar algum local dentro do convés, de tal forma que pouco ou nada visse do mar, pois não se sentia muito bem em travessias daquela espécie. Piscando um olho maliciosamente disse que o belga sentia enjoos.

     Depois de uma longa espera, soou  o ronco dos motores, ouvia-se os gritos de ordens para o recolhimento da escada de acesso e a soltura das amarras. Vislumbrou o inspetor com uma cara de desaponto acenando e em seguida,  a embarcação virou a bombordo emitindo um som baritonado de sua buzina que ecoava graciosamente por todo o cais, anunciando a sua próxima parada, a deslumbrante Paris, o sonho de todos os sonhos...



LC OLIV

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