sexta-feira, 5 de junho de 2020

     ... Durante aquela solene refeição, enquanto comiam, ouviram atentamente o inspetor chefe Japp. Este relatou que estivera rodando pelo "centro das gemas", era como se referiam ao setor mais antigo da cidade, onde anciãos de quipá, circulavam cuidadosamente pelas estreitas ruas, entrando e saindo de antigas joalheiras.
     Estas na sua maioria, além do espaço reservado para pequenas e antiquíssimas vitrines que compunham a loja formal, onde eram exibida peças mais convencionais, tinham sempre um recinto  reservado para a comercialização das chamadas  "obras de arte", invariavelmente raríssimas e caras. Ali também, rituais de compra e venda de gemas, onde os especialistas avaliavam as peças. Os diamantes normalmente eram submetidos  a  olhos infalíveis. Tal ritual  era marcado por um solene e estranhíssimo aperto de mão entre os protagonistas. Esse cumprimento selava a operação, cuja seriedade dos contratantes era mais valioso que qualquer documento assinado.
     O inspetor chefe e seus agentes andaram discretamente interrogando no sentido de tentar obter alguma informação acerca de algum estrangeiro que estivesse interessado em investir altas somas em gemas, das confinadas em Amsterdan para futuros resgates. Muitos desses respeitáveis senhores de quipás e peiotes, se dedicavam a essa centenária forma de comercialização.
     Enquanto conversavam e trocavam suas impressões, via com grande prazer, o apetite como todos degustavam aquelas iguarias. Sem que se desse conta, num flash back, rememorou prazeirosamente as cenas de um filme inglês, onde um inspetor devorava um típico cafe da manhã inglês, em seu gabinete. Tal cena estava tão viva em sua memória que chegou a ter dificuldade em retornar para a sua realidade, tamanha semelhança dos momento vividos.
     Recebendo a incumbência e algumas diretrizes do próprio inspetor, iriam na parte restante do dia, empreender algumas visitas a galerias de arte. A um pedido do inspetor, pouco depois uma robusta e rubra secretária entrou no gabinete trazendo consigo  uma relação de endereços. Terminado o chá, todos se levantaram um tanto preguiçosos, de posse dos  roteiros para cumprir as suas missões.
     Começaram para suas visitas por algumas galerias do Soho. Com o capitão acabou aprendendo um pouco sobre algumas escolas, como os impressionistas, a acidez de Van Gogh, a luminosidade de Picasso e aquela coisa meio chata e murcha de Dalí. Acabou confessando meio constrangido a sua ignorância sobre os mestres ali citados e vistos.  Notava-se na fisionomia do capitão a satisfação pela falta de conhecimento do estrangeiro que lhe permitia comentários professorais de alguém habituado a esses assuntos.
     A justificativa de Eice, acabou por virar como uma contraofensiva a seu favor, quando disse que as suas preferências estavam nos mestres do renascimento. A simples menção de nomes como  Leonardo da Vinci, Miquelangelo, Rafael Szanzio e outros, colocou o seu companheiro numa  situação de claro constrangimento, face à sua falta de intimidade com as obras desses imortais.
     Deram-se conta do anoitecer pela chegada do indefectível fog que por sinal era mais denso naquela época do ano. Por sua iniciativa, resolveram passar pelo apartamento de Poirot para jantar e por sugestão de Hastings, ceariam no Abbey Road. Pouco depois deram com o detetive atando o nó de sua gravata junto à sua escrivaninha. A julgar pelo suave aroma do perfume que inundava o ambiente, deu para concluir que estava nos toques finais de sua toillete. Era incrível como tudo naquele homem era extremamente estético e elegante.
     O pequenino detetive aceitou entusiasticamente ao convite e a caminho, ainda dentro  do táxi, assumiu a condição de anfitrião. Assim que desembarcaram, entraram e o som agradável da sinete, anunciou a chegada do trio. Foram recepcionados e encaminhados para a mesa que costumavam usar. A saudação amistosa do maitre demonstrava que se conheciam de longa data.
     Como não poderia deixar de ser, a escolha do menu recaiu sobre o gourmet do grupo. Poirot optou por uma sopa de frutos do mar, tendo como  prato principal um suculento peixe de carnes brancas,  acompanhado de salpicão com pedaços minúsculos de camarão e tiras bem desfiadas de lagosta. Para  beber,  um vinho verde português, finalizando com licores em lugar da sobremesa. Durante o jantar discutiram de forma amistosa as iniciativas que estavam em curso. Poirot ouvia aos dois com muita atenção e já na fase dos licores, fez algumas sugestões a ambos, mas se recusou comentar as suas ações daquele dia, uma vez que colaborava de forma central na investigação.
     Depois dos cafés, o detetive e o capitão resolveram acompanhá-lo até o seu hotel. A caminhada foi agradável e logo chegaram ao seu destino. Na recepção pediram um táxi que pouco depois chegou. Despediram-se  e pouco depois atirava-se pesadamente em sua cama, onde teria uma noite com sonhos recheados de investigações, camarões, mexilhões e aquele saborosíssimo licor de laranja.
     Pela manhã acordou revigorado e muito otimista com o rumo das coisas. Tinha absoluta certeza que o sucesso de sua missão era questão de tempo, principalmente pelo gabarito das pessoas envolvidas...




LC OLIV


   



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