sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

...Chegando rápida e furtivamente à estação do metro que ele nem lembrava o nome, desceu à bilheteria, passando pela catraca, checou a direção correta pois sempre fazia confusão na hora de embarcar e esperou ansiosamente pelo trem.
Ainda excitado pelos acontecimentos, notou que aos poucos as cores estavam voltando ao normal! Coisa muito estranha!
Decidiu, assim que chegasse ao seu "laboratório",  tentaria encontrar uma explicação lógica para essa estranha mutação cromática no ambiente.
Já dentro do vagão, apertou contra si a sacola onde estavam os seus disfarces, tendo a impressão que todos o olhavam com desconfiança.
Pura neurose, aliás nele isso era mais que normal.
Aos poucos e à medida que as estações se sucediam, foi recobrando a calma.
Revisou rapidamente  os acontecimentos que há pouco tinha protagonizado e se imaginou  comentando com o seu mestre de lutas, o golpe que utilizou. Com a descrição dos movimentos, notou  em seu instrutor um sorriso de satisfação por ter feito tudo exatamente como o ensinado.
Quando se deu conta, estava falando sozinho e notou uma moça do outro lado do corredor fitando-o com uma mistura de perplexidade e compaixão.
Era evidente nos olhos dela a triste constatação de como deveria ser ruim ficar velho.
Tentando despistar, fingiu que estava cantarolando alguma coisa, virou-se de costas para ela e continuou a observando pelo reflexo do vidro da janela, meio desconcertado pelo flagrante.
Acabou se irritando.
- Merda de lugar!
- Até parece que a gente precisa de autorização ou da concordância das pessoas para poder falar sozinho!
- Se ao menos ela soubesse quem sou e do que acabei de participar, não estaria me olhando com esse ar idiota...
Ao desembarcar na estação próxima à sua casa, sentia-se mais seguro. Até o cheiro das ruas era agradável, principalmente quando lembrou daqueles odores repugnantes que tinha sido obrigado a inalar em sua grande e inesquecível primeira aventura.
Já em frente à sua casa, foi recebido por um forte e agradável aroma de dama da noite do arbusto que tinha no quintal.
Aquilo foi uma dose de pura endorfina.
No seu quarto foi tomado de uma euforia infantil, sentia-se tão extasiado e excitado como no dia da sua primeira relação sexual.
Os seus pensamentos eram acelerados.
Tudo girava em torno de uma ação que não durou mais de dez minutos.
A chegada ao local, o traficante espancando aquele pobre coitado, as primeiras ações do seu adversário, a sensação de estalo quando a sua mão deslocou o maxilar do marginal, os gritos de satisfação dos presentes... Um turbilhão de cenas...

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

...Este desabou numa linha vertical, como que implodido. Quando chegou ao chão, já estava desacordado.
Os gritos de felicitação e prazer pela cena atraíram muitas pessoas, o tumulto era grande.
Todos querendo saber o que realmente estava acontecendo.
As manifestações pareciam com a comemoração de um gol de copa do mundo, tamanha balbúrdia. A excitação era grande. Alguns gesticulavam de forma tão agressiva que chegava a parecer que eles é que tinham desferido o golpe no brutamontes.
A fascinação das pessoas por esse tipo de confronto era grande, invariavelmente irresistível, atraente e prazeirosa. Neste caso, dada à natureza do conflito, a satisfação era ainda maior e a aglomeração foi aumentando.
Muitas que tinham presenciado a escaramuça, faziam perguntas ao Eice e este meio que timidamente respondia a todos.
Alguns perguntaram quem  ele era, como era o seu nome e a curiosidade maior, era saber que tipo raríssimo  de luta que ele tinha se utilizado para com um único e fantástico golpe, desmontar um oponente de tamanho avantajado, inclusive em relação ao próprio Eice.
Antes de responder, ele esperou propositadamente, por um momento de maior atenção dos presentes, criando assim um clima de grande expectativa e disse de uma forma alta e pausada.
 - Imoto Defesa Pessoal...
Voltando-se para o agressor daqueles miseráveis que já dava os primeiros sinais recuperação da consciência, aguardou calmamente.
Este quando recobrou completamente a lucidez, sentiu-se confuso e dando mostras de receio, encolheu ao ver o Eice o encarando.
O nosso herói foi sucinto e incisivo em sua advertência.
Sem gritar e falando pausadamente, deixou bem claro que a partir daquele momento, todos aqueles que vinham sendo expropriados de sua dignidade por traficantes como ele, logrados e até mesmo espancados, poderiam contar com a sua interferência e que aquela primeira ação tinha sido um aviso.
Retraído e tomado de surpresa pelos acontecimentos que tinha acabado de participar "ativamente" mesmo que a contra gosto, perguntou quem ele era.
- O meu nome é Eice e diga à escumalha da qual voce faz parte, que junto comigo está chegando o inferno para voces.
Sentindo que o efeito dos remédios já estavam se manifestando, afastou-se rapidamente, deixando atrás de si, um mistura de surpresa, perguntas e muita satisfação para a maioria, com um enorme burburinho daqueles infelizes. Pelo menos naquela noite ao dormir, desfrutariam  o raro prazer de uma vingança como aquela que tinham acabado de presenciar...

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

...Chegando próximo ao coreto do Jardim da Luz, viu umas quinze pessoas. Estavam sendo encurraladas por um sujeito alto e corpulento.
Aos berros e proferindo uma série infindável de palavrões, cobrava uma dívida, provavelmente por compra de droga, de um rapaz esquálido, que pelo que se entendia não tinha ao menos naquele momento, como pagar.
À medida que gritava, agredia violentamente com socos e chutes o pobre coitado.
O castigo era brutal e acima do "necessário", deixando evidente que aquilo era também, para desestimular futuros mal pagadores.
O rapaz já estava bastante machucado, quando o Eice se deu conta novamente que tudo ao seu redor continuava em preto e branco, sendo que a única cor que contrastava com aquele cenário estranho, era um filete de um vermelho muito vivo de sangue que  pingava do nariz e escorria para o lábio superior do infeliz indigente. Com um grito gutural, o Eice tentou intervir pondo fim àquele absurdo espancamento.
A reação de espanto do "mercador da morte", foi visível.
Afinal quem teria a petulância de intervir nos seus domínios e ainda por cima dizer a ele o que fazer?
Vociferando, se voltou na direção do Eice, este de pronto e já devidamente caracterizado, colocou-se numa posição de prontidão, típica dos praticanete de Tai Chi.
Tal postura foi quase que suficiente para pelo menos momentaneamente, refrear o truculento agressor.
Sem saber quem era aquela figura estranha e aquela postura nunca antes vista, pelo menos por ele,
o hiato de tempo produzido criou uma situação de impasse.
Isso foi o suficiente para aquela horda de farrapos humanos entrasse quase que num frenesi, e aos brados infligiram toda sorte de ofensas ao odiado algoz.
Este por sua vez temendo perder o controle "moral" da situação, tenta num impulso, violentamente se arremessar contra o nosso "herói", que habilmente como um "artista marcial", se esquiva.
O bruta-montes desequilibra-se, tenta se recobrar, mas acaba estatelado de cara no chão, o que provocou um considerável ferimento e sangramento no rosto.
Ouve-se risos mesclados a gritos de puro prazer com a cena. A queda acabou funcionamento como um grande estímulo gerador de endorfina para aqueles miseráveis.
Já em pé e  tentando recobrar o domínio da situação ele investe novamente.
Antecipando essa ação, como um raio, Eice da um passo para frente em diagonal,  na direção do sujeito e projeta a mão vinda de trás, num movimento ascencional e espiralado, transmitindo todo o seu peso para frente, gerando um torque fortíssimo.
O choque foi impressionante quando o "calcanhar" da sua mão explodiu no queixo do traficante, parecendo-se com o impacto daqueles aríetes que se usava na idade média para derrubar os portões das fortalezas...

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

...Constatando a frugalidade do  cardápio, afastou-se dali e poucas quadras depois entrou num mercadinho onde comprou duas dezenas de pãezinhos e uns cinco quilos de linguiça.
Mais animado com o próprio gesto e confiante, retornou para a "tão atraente fogueira".
Timidamente apresentou-se a todos e entregou os pacotes com as suas compras.
A recepção como era de se esperar, se deu com uma certa reserva, mas diante do "reforço alimentar de última hora", o gelo foi quebrado.
Todos se apresentaram e em poucos minutos conversavam animadamente como velhos camaradas. Foi aí que ele se deu conta que estava com frio e o calor era extremamente aconchegante e bem vindo.
Durante a conversa viu semblantes sofridos, pessoas precocemente envelhecidas, fisionomias alteradas pelo consumo excessivo de bebidas e drogas.
Conhecer mais profundamente essas pessoas, descobrir as suas histórias de vida, quem eram e como tinham chegado àquela condição tão miserável, despertava nele um profundo interesse.
Ali mesmo tinha tomado uma decisão, a de que voltaria para conhecer detalhadamente essas pessoas que ele chamou de "o estranho povo das calçadas".
Pouco tempo depois, sentia-se o aroma convidativo da linguiça mesclado ao de aguardente que aliás, ele fora obrigado a ingerir como parte de um ritual de iniciação e aceitação.
Era visível a satisfação com que comiam aquele repasto. Mesmo assim, apesar da descontração de todos, sentiu, mesmo que sutilmente, um toque de ansiedade em todos. Aquilo o incomodou e esse desconforto o deixou em prontidão.
De repente, ouviu-se um grito lacinante cortando o ar como se fosse um feixe de laser e todos ficaram alteradíssimos. Era como se um tratamento de choque que todos conheciam muito bem, tinha se iniciado para desespero dos presentes.
" É ele, o Mercador da Morte. Ele veio cobrar a dívida!!!"
Um processo de catarse teve início e todos ao mesmo tempo falando conseguiram fazer ele entender com muita dificuldade, o que estava acontecendo.
Levantou-se rapidamente, achou um local meio afastado, discreto e pouco tempo depois, já estava caracterizado.
Dirigiu-se para o local do conflito. No caminho sentiu uma forte descarga de adrenalina que chegou a lhe provocar uma certa náusea, mas o que mais lhe chamou a atenção, foi uma coisa muito estranha.
Tudo ao seu redor perdeu a coloração. Isso mesmo! Tudo estava em preto e branco.
Sem tempo para entender o que estava acontecendo, correu para o palco da sua primeira e inesquecível aventura...