sábado, 26 de dezembro de 2020

     ... A travessia foi tranquila, durando em torno de uns cinquenta minutos, apesar de uma densa bruma presente durante todo o trajeto. Hastings acompanhado de Eice, postou-se no convés a fim de apreciar melhor a paisagem, mesmo com a visibilidade reduzida. Falava em voz alta, pois o vento naquele momento era forte dificultando qualquer tipo de conversa. Poirot por sua vez como um bom fóbico, preferiu a parte interna da embarcação, de forma que não precisasse ver o mar e as ondas que naquele momento se não eram altas, eram  agitadas, a ponto de tornar o navegar um tanto agitado.

     A atracagem foi um tanto trabalhosa, visto que as águas estavam bastante turbulentas, além de um grande número de embarcações que tiveram as suas partidas e chegadas prejudicados pelos mesmos motivos, provocando um princípio de caos no embarcadouro. Nesse instante, era visível a irritação de Poirot, que ansiava por colocar os pés em terra firme. Sentia-se assim toda vez que era obrigado a deslocamentos pelo mar ou pelo ar. Sempre fora adepto e defendia vigorosamente as viagens através dos automóveis ou quando de grandes distâncias, através de trens, por  serem os seus transportes preferidos tanto pela segurança, como pelo conforto.

     Após alguns desencontros, finalmente conseguiram colocar as bagagens em um automóvel que prontamente se dirigiu para um hotel em Montmartre, por indicação do detetive. Chegaram ao destino em menos de vinte minutos. Era um estabelecimento de arquitetura bem antiga, revelando ter sido uma grande vivenda num passado distante. Com algumas adaptações e contínuas reformas, adquiriu um toque bastante peculiar e  aconchegante.

     A maneira como foram recebidos pelo proprietário, demonstrou uma intimidade de longos anos. Ficaram bastantes surpresos quando este revelou que Poirot fora hóspede fixo por um longo período naquele estabelecimento nos anos que antecederam a  grande guerra. A insegurança gerada pela iminente chegadas das tropas nazistas, obrigou muitas pessoas a deixarem as suas acomodações, buscando lugares mais seguros. Como a França era um dos alvos cobiçados por Hitler, pouco depois da invasão, Poirot se viu obrigado a se deslocar para a Inglaterra, chegando após algum tempo ser instalado numa grande casa alugada pelo governo para hospedar refugiados e alguns ingleses feridos no front e foi nessa casa que se daria o emblemático encontro de Styles, onde o belga iniciou toda a sua brilhante carreira ao lado do então tenente Hastings.

     Cessadas as gentilezas e mesuras, Poirot pediu três acomodações de solteiro e foi nesse momento tomado de uma agradável surpresa, quando o anfitrião o informou que o quarto que ocupara no passado, estava disponível. O pequeno belga não escondeu a sua enorme satisfação por tão feliz coincidência e ficou ainda mais radiante ao saber da transformação do mesmo em uma confortável suíte, pois para ele ter um banheiro privativo era algo a que dava uma grande importância.

     Depois de devidamente instalados em suas respectivas  acomodações, encontraram-se na sala de estar, onde decidiram rapidamente, pelo local do jantar. Poirot estava faminto, visto que por conta de seu nervosismo momento antes da travessia, se absteve de comer por causa das fortes náuseas de que fora acometido. Agora em terra firme, sentia-se revigorado e a possibilidade de degustar iguarias de uma culinária que sempre apreciara, aumentava tanto o seu paladar quanto o seu entusiasmo.

     Deixaram o pequeno hotel conversando animadamente e optaram por irem a pé, pois a noite além de uma temperatura agradável, tinha um céu cravejado de estrelas, além dos perfumes dos jardins tão abundantes naquelas redondezas. Cerca de quinze minutos depois, chegaram a uma ruela calma e pouco iluminada, pois as copas das árvores encobriam as luminárias. Cerca de uns cinquenta metros a frente, uma edificação se destacava das demais exatamente pela claridade dos seus letreiros, onde se lia "Grillades et Cassaroles".

     Era uma residência térrea, adaptada para um estabelecimento comercial, mas que mantinha muito de suas características originais. À entrada, três janelas com vidros transparentes, tendo na parte interna, cortinas da metade para baixo, deixando visível apenas um pequeno detalhe do seu interior.

     A decoração  era propositadamente rústica, com paredes de reboco em alguns trechos trincados e em outros com tijolos aparentes e forradas de pequenos quadros com pinturas retratando paisagens campestres. Foram recebidos de forma bastante simpática o que os deixou bastante à vontade. A escolha do cardápio ficou por conta de Poirot que acabou optando por um Goulash Húngaro Tradicional e enquanto aguardavam pelo prato pedido, foram servidos por um encorpado e escuro vinho acompanhado de enormes e temperadas azeitonas, servidas em terrinas regadas num azeite muito verde, com fartas fatias um pão meio sovado, característico da região,  de uma textura extremamente macia.

     Pouco tempo depois chegava o prato principal e foi visível a satisfação de Poirot ao notar a expressão de aprovação dos seus convidados, assim que degustaram aquele estranho prato. Finalizando o jantar, foram brindados com grandes e congeladas taças contendo frutas picadas com cores variadas e regadas por um licor que não souberam identificar. Finalizaram com um café expresso e pouco depois, pesadamente deixaram o local retornando para o hotel. 

     Ainda no caminho de volta, foram brindados com mais uma surpresa, pois Poirot os levou para conhecer a Basílica de Sacré Coer, um dos pontos mais encantadores de Paris, o marco maior e mais emblemático de Montmartre. O espetáculo era realmente algo deslumbrante, não só pelos perfumados jardins, como pelas suas escadarias monumentais e também pelo grande número de pessoas. Após o primeiro lance de escadas, quando já estavam já perto do topo, sentaram-se como muitas outras pessoas, para apreciar umas das visões mais empolgantes do mundo, a de Paris a noite. Enquanto embevecidos desfrutavam daquilo, poucos metros abaixo,  um rapaz tocava numa harmônica típica, a apaaixonante Sous le ciel de Paris. Durante a execução,  vários casais aproveitaram o espaço no patamar entre as duas escadarias para dançar,  fechando de forma bastante festiva a execução que por sinal, a pedido dos presentes, foi repetida várias vezes.

     Findado o improvisado espetáculo, retornaram para o hotel, onde passaram uma repousante noite e com a perspectiva de uma agradável estadia pelos próximos dias... 




LC OLIV

domingo, 6 de dezembro de 2020

      ... Após o anúncio da viagem para a grande capital vizinha, todos foram tomados de uma certa euforia, a exceção é claro do infeliz e taciturno inspetor da Yard. Sentia-se de alguma forma posto de lado pelos seus companheiros e ainda por cima um ponta de ciúmes o corroía, pois tinha vívidas as lembranças de todas as vezes que Poirot se referia ao comissário parisiense, como uma pessoa muito além do ordinário da maioria das pessoas, tanto no que se referia ao seu intelecto, como também às características de suas investigações, a forma como conduzia a sua equipe, sempre calcado no lado humanista e que sempre provocava nas pessoas uma grande admiração e respeito pelos resultados obtidos 

     Toda vez que era questionado sobre esses sucessos, tinha sempre a mesma explicação. Os seus casos os enxergava como dramas humanos e só conseguiria entendê-los, se fizesse parte dele como se fosse um membro da família, um parente ou alguém muito próximo do ator principal da trama ora investigada.

     Um conceito do qual se valia e  que usava com muita frequência e que ele entendia como algo extremamente necessário para o sucesso de qualquer investigador, o de ser uma pessoa dotada de uma forte empatia e enxergar sempre o fatos ou os fatos que se apresentavam, pelo lado psicológico,  examinando e analisando o perfil de todos os envolvidos. Em alguns momentos se fosse necessário, sentir-se na pele do suspeito.

     Para Poirot, esse era o estilo que mais apreciava, que ele resumia numa frase já célebre, usar as celulazinhas cinzentas do cérebro. Colocar-se em alguns momentos como um grande e privilegiado expectador de uma peça teatral e a partir da representação dos atores, chegar a uma inequívoca conclusão.

     Para o inspetor da Yard, esse era um estilo que não o agradava muito, já que era adepto de mais ação e menos de análises intelectuais de gabinete. Entendia que a vida policial era no campo farejando pistas como um cão de caça, fustigando sem tréguas, tentando de todas as formas possíveis encurralar o suspeito até o momento final, que culminava com a sua confissão,  detenção e a consequente solução do caso.

     O pequeno detetive já tinha traçado um meticuloso mapa mental do roteiro que seguiriam, desde a chegada a Paris. Onde se hospedariam, os lugares das refeições, oportunidade de rever alguns velhos conhecidos e o prazer de degustar iguarias que só se encontrava em Paris.

     A opção por Montmartre, se deveu não somente pela logística e beleza do local, mas também pelo lado emocional, pois foi ali que viveu um período inesquecível de sua vida. Foi quando conheceu Jules Maigret, um jovem e promissor policial que ainda era lotado em subúrbios de menor expressão e que com o passar dos anos e devido ao seu grande talento, foi galgando não somente melhores distritos, como  a ascenção a novos postos hierárquicos até chegar no famoso Quai des Orfevres às margens do Sena, na condição de comissário.

     Os dias que se seguiram, foram de muita atividade para o trio. Eice optou por continuar em seu hotel, pagando adiantadamente a sua hospedagem e solicitando da gerência o cuidado com a sua correspondência, bem como uma estrita atenção se durante a sua ausência fosse procurado por alguma pessoa, ou qualquer coisa suspeita. Uma gratificação antecipada e reservada acabou por conseguir por parte do funcionário, um colaborador entusiasmado.

     Em Whitehaven Mansions, Poirot tinha anotado tudo e cobrava de sua secretária cada ítem como se estivesse conferindo um valiosíssimo inventário. Em alguns momentos a impressão que se tinha, que o detetive iria embarcar para uma grandiosa "turné autour du monde", a julgar pelo volume de sua bagagem. Apesar de todos os afazeres, as investigações continuaram em seu ritmo normal, tendo todas as manhãs reuniões pelo café da manhã, para que todos pudessem se reportar em suas ações. Apesar do seu descontentamento, o inspetor era bastante meticuloso na apresentação de suas atividades e de sua equipe. Não fazia muita questão em demonstrar o seus descontentamento com a viagem do trio e que a impossibilidade de acompanhá-los o desagradava profundamente. A sua irritação aumentava visivelmente quando percebia que ninguém notava o seu estado de ânimo. Mantinha uma tênue esperança de que naqueles dias, algo pudesse acontecer como um fato novo para mudar o curso das investigações. Era um desejo quase infantil que carregava dentro de si, onde se via o protagonista maior da solução do caso e orgulhosamente receber os louros pela solução de um caso de "importância internacional".

     Finalmente o grande dia tinha chegado. O veículo que os conduziria até o porto, estacionou na porta do prédio com três hortas de antecedência. A chegada se deu rapidamente e Poirot um tanto excitado acompanhava tudo, desde as bagagens, como os bilhetes de embarque e a localização da embarcação que os levaria.  Japp valendo-se da sua condição de policial, sentia-se um pouco recompensado ao ver que estava sendo atendido prontamente por todos os funcionários e como uma deferência permitiram o acesso do trio mesmo tão cedo, para se acomodarem da maneira mais confortável. 

     Era uma grande lancha que podia transportar cerca de 50 pessoas confortavelmente e a duração da travessia do Canal, levaria em torno de 45 minutos. Hastings nesse momento, portava-se como um guia turístico e dava explicações para Eice. Além disso, como amigo íntimo do detetive, sabia que este iria procurar algum local dentro do convés, de tal forma que pouco ou nada visse do mar, pois não se sentia muito bem em travessias daquela espécie. Piscando um olho maliciosamente disse que o belga sentia enjoos.

     Depois de uma longa espera, soou  o ronco dos motores, ouvia-se os gritos de ordens para o recolhimento da escada de acesso e a soltura das amarras. Vislumbrou o inspetor com uma cara de desaponto acenando e em seguida,  a embarcação virou a bombordo emitindo um som baritonado de sua buzina que ecoava graciosamente por todo o cais, anunciando a sua próxima parada, a deslumbrante Paris, o sonho de todos os sonhos...



LC OLIV

terça-feira, 10 de novembro de 2020

      . Após se despedirem no hotel, Poirot e Hastings tomaram um táxi em direção a Trafalgar Square e Eice subiu para os seus aposentos. Após um longo e reconfortante banho onde gastou boa parte do tempo matutando a situação dos últimos dias e a inesperada mudança nos rumos das investigações. Para ele aquilo era tudo muito novo e da forma como as coisas estavam se sucedendo, sentia como dentro de um grande e indecifrável turbilhão. Já vivera isso diversas vezes quando tudo começou, com a sua premente necessidade de dormir. Os turbilhões que experimentara naquela época, eram diferentes e muito mais desafiadores. O atual era mais simbólico e envolvia questões muito mais sérias, pelo menos para si.

     O seu despertar se deu um pouco antes do horário habitual e se deveu ao tilintar do telefone ao lado da cama, que soava insistentemente. De imediato reconheceu a voz da secretária de Poirot, que polidamente transmitia o convite do grande detetive, para que o desjejum fosse em sua residência. Concluiu a sua higiene matinal em pouco tempo e deixou o hotel  bordo de um transporte que o faria chegar mais rapidamente ao seu destino. Apesar da sua euforia, ainda assim, pode notar tudo ao seu redor, como os olhares curiosos e desdenhosos dos funcionários da portaria, mas que eram perfeitamente dissimulados por gestos e palavras educadas.

     Sabia do sentimento de superioridade que os ingleses tinham para como resto do mundo e isso ficava ainda mais visível, quando se tratava de um estrangeiro de um país distante e sem muitas referências favoráveis, segundo os seus parâmetros de civilidade. Mais uma vez ao soar a campanhia e ter a porta aberta pela secretária, pode sentir aquele agradável aroma que ele acreditava ser de lavanda. Assim que entrou,  pela primeira vez notou no corredor um espelho oval com moldura de madeira entalhada, tendo em ambos os seus lados, cabideiros de onde pendiam os elegantes chapéus do pequeno belga, todos no modelo coco, que incrivelmente, eram os que mais combinava com o seu peculiar formato de rosto e  sua excêntrica personalidade. Naquele momento pela sua rápida passagem, pode notar dois de cada lado do espelho e num gancho suplementar, via-se pendurada uma escova com a qual tirava todas partículas  indesejáveis e  poeiras que só  eram visíveis para o seu dono.

     Na sala de estar, encontravam-se além do anfitrião, o capitão Hastings e o inspetor Jaap. Na mesa de centro, o desjejum estava pronto para ser servido e o cardápio permitia arranjos de acordo com o paladar de cada um. Foram gentil e meticulosamente servidos pelo anfitrião, que solenemente perguntava a cada um, o que desejava. Hastings optou pelos indefectíveis ovos com bacon, café e torradas, sendo seguido por Eice. Já o inspetor denotando um certo agitamento, contentou-se com uma enorme xícara de café. O barulho que fazia ao sorver o fumegante líquido, provocou em Poirot uma careta de indignação, mas que soube elegantemente disfarçar com um protocolar sorriso.

     Depois de servir a todos, optou por seus crotons, dispostos simetricamente num prato seguido de uma elegante xícara de vidro, no formato de um cone com uma base metálica. desnecessário dizer que era diferente dos demais. A refeição durou cerca de uns 15 minutos, entremeada pelas conversas, objeto daquele reunião.

      O inspetor Jaap, foi sucinto em resumir as suas atividades e de sua equipe. O seu pessoal além das rondas pelas galerias de arte e das joalherias pelo centro velho, mantinha um homem da sua maior confiança, a "passear" incógnito pelo cais a fim de checar os passageiros e os seus destinos.

     Coube ao detetive revelar aos presentes, que estava aguardando uma ligação de Paris, de um amigo que aliás, já não via e nem falava há algum tempo, mas que poderia ser de capital importância no andamento das investigações. tratava-se do comissário da polícia judiciária. O inspetor da Yard não se mostrou muito simpático com a notícia, pois a ele não agradava ter que dividir com quem quer que fosse, as investigações, já que entendia ser ele, Poirot e Hastings, um time mais que suficiente para levar a bom termo a empreitada. O fato de ter que aceitar um estrangeiro de contra peso, coisa que sempre demonstrou sutilmente, era algo que não dependia da vontade dele, pois quando entrou no "caso", o quadro já estava montado. Agora a possibilidade de ter um "concorrente" como o comissário parisiense, o incomodava e muito, uma vez que se sentia em desvantagem em relação ao cerebral francês, de quem já tinha ouvido inúmeras histórias,  onde o seu talento natural o colocavam numa posição de grande projeção no meio policial...

     A conversa fora interrompida, pela soar do telefone, prontamente atendido pela secretária, que pouco depois informou ser a ligação que estava esperando. Ainda tirando o seu enorme guardanapo do peito, o detetive agarrou o telefone e com uma enorme satisfação, saudou o seu interlocutor com uma eufórica exclamação, "Mon cher ami Jules !!!!!!!". 

O que se ouviu a seguir, foi a uma entusiasmadíssima conversa em francês, entre dois amigos, sem que os presente pudessem entender muito do que falavam. Ao cabo de cinco minutos, despediram-se muito animadamente e ao colocar o fone no gancho,  um Poirot triunfante, anunciou que estavam de partida para Paris.

     A decepção no rosto do inspetor Jaap era visível e ele não fez muita questão em dissimular o seu desagrado. Hastings por sua vez, era todo satisfação e acabou indagando a  Eice se conhecia a Cidade Luz, est todo entusiasmado,  negou mas extremamente eufórico, admitiu que nunca tinha tido esse privilégio e que esse possibilidade era algo que fugia às suas expectativas ...




LC OLIV






quinta-feira, 22 de outubro de 2020

      ... o maitre demonstrou conhecer bem o paladar de Poirot. O menu contava na entrada com uma deliciosa salada de brotos de alface, acompanhados de  grossas rodelas de palmito e de polpudas azeitonas gregas.  Em seguida, as iguarias quentes que se compunham de excelentes medalhões de filet mignon  mergulhados num farto molho madeira que arrancou elogios entusiasmados do nosso gourmet. Acompanhava ainda,  um arroz com ervas que eu não soube definir o que eram, mas de um sabor um tanto exótico e batatas coradas com furos no centro, preenchidos caprichosamente com um espesso azeite que eu soube depois ser grego de uma reserva exclusiva e fechando, um vinho amadeirado de uma safra de dez anos, bem a gosto do nosso anfitrião.  A sobremesa foi um creme de papaia regado com um saborosíssimo licor de cassis.

     Apesar da delícia das iguarias, confabulamos animadamente durante todo o jantar e foi aí que descobrimos que as intenções do nosso "mestre", era a de embarcar por alguns dias para Paris, a fim de fazer algumas pesquisas acerca do possível paradeiro do "invisível senador". Ficaríamos alguns dias desfrutando as maravilhas da cidade luz e ao mesmo tempo, empreendendo dissimuladas e discretas investigações e para tanto, Poirot contaria se tudo desse certo, com a inestimável ajuda de um antigo amigo e de certa forma colega.

     A essa menção, era visível a grande curiosidade de Hastings por querer saber quem era essa pessoa e por conseguinte a minha, já que pouco ou nada sabia da intimidade daquele extraordinário detetive. Poirot não se fez de rogado e acabou fazendo um longo relato dos dias, antes da guerra em que conheceu um promissor inspetor que um dia viria a se tornar comissário da polícia judiciária de Paris. Em muitas ocasiões trocaram informações e impressões sobre os casos que investigavam e daí surgiu além de uma grande amizade, uma profunda e mútua admiração nos dois, pelos métodos que ambos se utilizavam para levar a cabo os seus objetivos que sempre era o de chegar aos autores de crimes dos mais variados, desde assassinatos, a grandes roubos e toda sorte de delitos.

     A experiência adquirida ao longo dos anos, lidando com todo tipo de contravenções, viria a torná-los exímios e quase infalíveis rastreadores. Em Paris havia uma lenda entre os criminosos que se o Comissário Jules Maigret estivesse no comando das investigações de algum caso, era uma questão de tempo a descoberta e a inevitável  prisão do autor da contravenção..

     Com o passar dos anos, essa amizade se solidificou mesmo com ambos trabalhando em cidades diferentes. Não foram poucas a s vezes que se encontravam para um final de semana, onde além de colocarem as suas conversas em dia, podiam confabular sobre os casos em que estavam debruçados e não  raras as vezes, dessas conversas, surgia o toque final para concluírem com sucesso os seus intentos. Foi nesse momento que viram no pequeno belga um olhar nostálgico quando mencionou os seus dias de um jovem sonhador, sentado nas escadarias da Basílica do Sagrado Coração (Sacré Coeur) no seu amado Montmarte, segundo ele o bairro mais encantador de Paris, de onde se tinha uma visão magnífica de quase toda cidade. Era ali que se entregava aos seus devaneios e onde surgiram os embriões de algo grandioso que sempre sonhara para si, a de ter uma atividade que o tornasse uma  référence e respeitado por todos. Sabia que teria que ser uma atividade onde pudesse fazer uso do seu maior atributo, que ele mesmo chamava de "a utilização das celulazinhas cinzentas". O tempo curiosamente se encarregou de lhe mostrar esse  caminho e do acerto de suas aspirações.

     Ouvir aquilo de qualquer pessoa, seria no mínimo algo cansativo e entediante, mas vindo de Poirot, soava como o roteiro de mais um de seus bem sucedidos casos, onde uma possível soberba, dava espaço para situações, fatos, tramas e conclusões extraordinariamente racionais  e ao mesmo tempo, surpreendentes. O final de sua exposição, coincidiu com a chegada de espesso e  cremoso café. Antes de nos retirarmos, o maitre foi cumprimentado pelo nosso anfitrião com uma mesura que em qualquer outra pessoa ficaria um tanto démodé, mas que nele adquiria um tom encantador e foi isso que se viu no rubor do agraciado maitre.

     Assim que chegamos à calçada, fomos colhidos por uma agradável e fresca brisa noturna, que delicadamente nos informava que não tardaria muito a chegada de noites mais frias. O hotel onde Eice estava hospedado não estava muito longe e resolveram ir a pé. Seguiram pela calçada trocando opiniões de forma  animada  e cerca de dez minutos depois chegaram e a conversa continuou na sala de estar num amplo e confortável salão no térreo. Pouco depois  e de comum acordo, combinaram que passariam uns dias em Paris, onde poderiam juntar uma agradável estada com a continuidade de suas investigações...




LC OLIV

     

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

      ... Foi cordialmente recebido pela secretária que o conduziu para o amplo salão, onde à sua esquerda, ficava o gabinete de trabalho do grande detetive. Através das cortinas entreabertas, pode vislumbrar o movimento das pessoas na praça fronteiriça. Poirot estava sentado à sua mesa, pelo que pode perceber, nos últimos goles de sua tisana, obrigatória após as suas refeições. Hastings sempre torcia o nariz para aquela beberagem desde o dia, que por insistência do pequeno belga,  a provou uma vez, a ponto de jurar para si mesmo que nunca mais faria tal coisa. Como ele mesmo dizia, tinha gosto de jornal velho.

     Pouco depois o telefone tocou sendo prontamente atendido por Poirot, que otimista, cumprimentou o Inspetor Japp, na esperança da obtenção de alguma novidade, ou algum indício que por menor que pudesse ser, desse a todos um fio de esperança. Pela fisionomia grave que adotou, era possível adivinhar que o homem da Yard não tinha novidade nenhuma. Na verdade tinha ligado com a expectativa de receber alguma boa nova. 

     O clima de expectativa na medida que aumentava, criava em todos um princípio de pessimismo, pois a impressão que se tinha era de que o tal senador tinha  evaporado, sem deixar vestígios e isso de alguma forma deixava a todos atônitos e sem ação. Com um certo receio de falar algo estúpido, Eice num fio de voz fez uma sugestão baseado em contos policiais que costumava ler e que poderia ser perfeitamente possível e útil.  Aventou a possibilidade do suspeito ter notado ou desconfiado do cerco que tinha sido montado e ter fugido para o continente através do canal.

     Após a sua fala, um silêncio pesado se fez notar, a  ponto de deixar o "infeliz estrangeiro" rubro de constrangimento. Felizmente quebrado por um grito de exclamação do detetive.

     - Mon Dieu Hastings, je sius un idiot!!! Como não pensei nisso antes, mas é claro!!! Assim que ele notou algo estranho e com o seu histórico de ações ladinas, muito provavelmente se sentiu mais seguro saindo um pouco de cena. Talvez uns dias em Paris, poderiam lhe proporcionar um novo fôlego para repensar as suas ações, ou até mesmo uma mudança radical nos seus planos. 

     Os investimentos que pretendia fazer aqui, poderiam ser levados a cabo lá, livre do cerco que montamos.

     Após essas suposições, telefonou rapidamente para o inspetor Japp para alertá-lo sobre essa possiblidade e que isso requereria, novas estratégias. O inspetor por sua parte, mobilizou alguns dos seus mais discretos agentes, para guardar os possíveis pontos de embarque no porto. A partir daquele momento, todas as pequenas embarcações seriam avisadas sobre esse passageiro. Fotos foram discretamente distribuídas entre os condutores, algumas delas contendo possíveis disfarces, como barbas, bigodes e cavanhaques, perucas com cabelos de outras cores e tamanhos diferentes.

     Após essas providências, congratulou-se com o colaborador estrangeiro, pois a sua observação tinha sido muito importante, oportuna e que de alguma forma estava alterando o rumo das investigações, criando em todos os envolvidos um novo alento. Excitados como esse novo momento, de comum acordo resolveram almoçar fora e o velho Abbey Road, parecia ser uma ótima escolha.

     Assim que abriram a grande porta e a sineta tocou anunciado a presença do trio, foram efusivamente recebidos pelo maitre que veio ao encontro dos três.

     - Monseieur, há quanto tempo! Já estávamos ficando preocupados com a sua prolongada ausência. As nossas iguarias já não estão mais sendo do seu agrado?

     - Non mon cher ami, tenho tido muito trabalho, alguns para o gabinete do primeiro ministro e recentemente para o ministro do interior na sua vivenda de campo, o que exigiu o meus deslocamento para fora de Londres por muitos dias.

     - Certamente o senhor  logrou êxito em suas investigações?

     Um tanto empertigado, foi meio pedante na resposta.

     - Felizmente as minhas pequenas células cinzentas ainda estão em plena forma, mesmo que o corpo já apresente alguns sinais de fadiga.

     O maitre tentou dissimular o fato de não ter entendido muito bem o que acabava de ouvir, com um largo sorriso e em seguida os acompanhou à mesa preferida do detetive. Depois de todos instalados, o pequenino belga, com a sua elegância costumeira, foi cordial e ao mesmo tempo desafiador.

     - Mon cher ami, deixo em suas mãos a surpresa que nos fará, com as iguarias que certamente nos trará e antes que elas cheguem, quero também a sua sugestão para o vinho. Temos muito o que confabular e tratar generosamente das nossas  papilas gustativas e dos sucos gástricos pode ser um excelente início...




LC OLIV

    

     

    


     

      

     

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

     .....Apesar de toda a meticulosidade por parte do trio investigador, Hercule Poirot, Inspetor Japp e o Capitão Hastings em dupla como nosso herói macunaímico, as esperanças da chegada de alguma informação, estava se tornando algo exasperador e sem resultados. Ao mesmo tempo, dada a delicadeza do momento, todo cuidado seria pouco no sentido de alguma ação que pudesse mesmo sem o conhecimento dos perseguidores, chegar ao conhecimento do astuto senador.
     Para os que não conheciam o  país de origem do tal político, talvez fique muito difícil ou até mesmo inteligível a associação de toda sorte de adjetivos espúrios a uma pessoa ligada à condição de um detentor de um cargo eletivo para o setor legislativo, de uma cidade, de uma região ou até mesmo da esfera federal, mas essa era a tônica dos ocupantes de tais cadeiras.  Existia uma lógica quase que feudal nessas relações, ou resultante delas.
     Na verdade hoje os atuais senhores feudais já não dispunham de exércitos particulares ou meios coercitivos, porém muitos deles senão a maioria, eram detentores de latifúndios, tão comuns em países com baixo nível de desenvolvimento. Essa imagem de uma pessoa oriunda de um país assim, de uma certa  forma,  explicava a maneira um tanto altiva com que os mestres da investigação da City o receberam. É bem verdade  que com o passar dos dias e o reconhecimento de ser uma pessoa inteligente e corajosa como o estrangeiro  demostrou ser, acabou angariando a simpatia e a  admiração dos senhores do velho mundo.
     Ainda assim, as horas transcorriam num ritmo quase inerte. O quartel general do grupo foi montado no escritório de detetive belga. Cerca de duas ou três vezes por dia, o inspetor da Yard, mesmo quando não tinha nada a informar, passava para saber se tinham obtido alguma informação que pudesse ser útil para si e para seu grupo de trabalho, que apesar das recomendações de muita cautela, mantinha-se em alerta vermelho 24 horas por dia e todos tinham ligação direta com o seu gabinete e acesso também ao QG de Poirot.
     Apesar da maestria de Poirot em ser um anfitrião agradável, havia momentos em que ambiente se tornava tenso, pesado onde todos se mostravam desconcertados e por mais que tentassem uma alternativa para driblar aqueles momentos, se viam frustrados em suas tentativas, algumas delas até ridículas. Nesses momentos o nosso herói se escusava e acabava achando uma forma de sair dali para respirar um pouco aliviado. Aproveitava para ir para o seu hotel e relaxava em demoradíssimos banhos. A tentação que se seguia era de se atirar na cama e esquecer tudo aquilo e dormir. Não pensar em nada, somente dormir. Depois de se trocar, desceu à recepção do hotel com esperança de ter alguma informação qualquer que fosse,  que pudesse mudar de forma  drástica, o curso dos acontecimentos.
     Admitiu para si mesmo que na verdade aquilo era como se fosse um sonho infantil, onde num passe de mágica, todas as respostas e soluções caíssem em suas mãos, como vindas do céu e que no final lhe dariam a aura de grande herói, pois a solução dessa delicadíssima investigação, estaria atrelada à sua pessoa. Tinha consciência  desses devaneios chegando a lembrar  daquele dia  em que fora procurado pela Liga de Justiça, esse sim era um orgulho que sentia e que muitos poucos podiam ter a honra de ostentar.
     Tentando dissimular o seu desaponto por não ter nada na recepção do hotel, antes de retornar passou pelo Abbey Road e se sentiu confortado ao ser recebido com um efusivo cumprimento por parte do maitre que o chamou pelo nome. Indagado se queria comer alguma coisa em especial do cardápio,  informou que ia ficar no bar para um drinque, já que tinha um jantar em casa de amigos. Tentando relaxar, acabou, por sugestão do barman, aceitando um dry martini. o primeiro até que desceu de forma agradável, pois foi ingerido lentamente. Via-se no espelho, segurando aquela taça em formato triangular de vidro embaçado pela baixa temperatura em que o coquetel era servido. Como nos filmes, deixou a degustação da azeitona para o final.  O segundo, talvez já por efeito do primeiro,  fora consumido num tempo muito menor e como nunca fora muito afeito a bebidas alcoólicas, acabou se sentindo um tanto flutuante e assim deixou o restaurante, rumo à  Trafalgar Square, Na tentativa de se recompor, optou por fazer o trajeto que não era longo, a pé. O contato com brisa noturna, sempre úmida e fria certamente se encarregaria de recompô-lo, Ainda no caminho, teve ímpetos de passar por algumas daquelas joalherias, mas desistiu de imediato, pois a ideia de fazer algo desastroso que pudesse arruinar tudo o que estava montado, lhe causou um pânico tão grande que fez com que desistisse de imediato.
     Pouco depois, chegou ao prédio e ainda mesmo que a contra gosto, ouviu um porteiro comentando com o outro, algo como, "o estrangeiro estranho" voltou. Fingindo não ter ouvido nada, respondeu ao cumprimento e se dirigiu ao hall do prédio.
     Assim que chegou na porta do apartamento, antes mesmo que viessem atendê-lo, pode ouvir uma música muito agradável tocada num violino e que mais tarde soube ser a Serenade de Schubert. Logo em seguida à abertura da porta, foi colhido por uma suave lufada de uma deliciosa fragrância  que lembrava lavanda...






LC OLIV

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

      ...Assim que chegaram ao apartamento do detetive, notaram que ele estava um tanto ansioso e de imediato foi perguntando sobre as andanças da dupla, se tinham algum resultado a apresentar. Diante do rubor de prazer de Hastings, teve certeza de que tinham algo. O capitão foi suscinto em seu relatório e à medida que falava diante das reações de pequeno belga, sentia-se empolgado.

     A empolgação se justificava porque Poirot sempre fora muito severo com o seu parceiro na condução das investigações, na coleta das informações, na ordenação dos fatos, para poder montar uma linha de atuação a partir da junção dos dados e na consequente linha de atuação de que teriam. Sempre insistira que sem essas rotinas, tudo ficaria mais trabalhoso e demorado, o que poderia implicar no fracasso de uma investigação.

     A conferência durou pouco menos de uma e ao final, a um pedido do detetive, a secretária ligou para o inspetor Japp que foi colocado a par das informações que acabara  receber. Este por sua vez de imediato, destacou dois de seus mais confiáveis auxiliares, para "circularem" dentro da área que envolvia My Fair, Charing Cross e demais localidades próximas a Westminster. Eram três investigadores bastante discretos, extremamente experientes e ágeis em suas decisões.

     Embora tinham uma área delimitada para suas ações, sabiam por experiência de ofício, que deveriam de acordo com os resultados obtidos, estender as suas ações de forma circular e aumentando  o alcance. Repassaram algumas galerias, as velhas joalherias, em todas, as dificuldades de sempre, pois a comercialização ali era sempre à revelia do fisco e se mexia com somas enormes, uma vez que lidavam com toda sorte de gemas, principalmente os cobiçados e valiosíssimos diamantes. 

     Com muito tato e diante da promessa solene de que ficariam invisíveis para a receita por um longo tempo, conseguiram de um velho semita proprietário de uma das mais antigas lojas naquele setor, a informação de que um cavalheiro havia inciado as tratativas de uma grande soma em pedras, numa operação que deveria ser finalizada em Amsterdã, onde se faria o pagamento e a entrega das partidas das gemas.

   Informou que o dito cavalheiro parecia ser estrangeiro e que havia combinado de telefonar periodicamente para se inteirar sobre o andamento da transação, sem contudo deixar um número telefônico ou um contato. Em todo momento deixou bem claro que a inciativa para o contato ficaria a cargo dele e deixou um nome um tanto enigmático evidenciando a necessidade  de se manter anônimo, para tanto utilizava o nome de Mr. Stone.

     Essas importantes informações chegaram simultaneamente à Yard e em Trafalgar Square no quinto andar do Whittehaven Mansions. Nesses dois QGs, form montadas estratégias para se montar uma rígida e muito bem dissimulada vigilância, para se interceptar qualquer ação suspeita. A mesma estratégia se estendia para as galerias de arte, tanto no sentido investigativo, como no observação de todo tipo de movimentação por parte dos clientes. 

     O que se viu nos dias seguintes, foi uma angustiante espera com a checagem de todas as minúcias e com uma grande preocupação em não levantar qualquer tipo de suspeita, pois o tal senador era uma pessoa profundamente hábil, aliás habilidade adquirida ao longo de anos de legislatura na política em seu país, cujo objetivo maior sempre fora o seu enriquecimento, em detrimento dos compromissos assumidos com os seus eleitores, aliás uma prática corrente na atividade política daquele país, a ponto de se tornar notória no mundo essa desonestidade. O mais terrível, era a inércia e a falta de indignação por parte da população, que de alguma forma era conivente com as falcatruas, como se isso fosse o normal.

     O mais importante nesse momento delicado, era encontrar o tal senador e prendê-lo num flagrante  de tal forma que ficasse inviável por parte dele, valer-se de qualquer estratagema jurídico que a sua condição pudesse vir a lhe favorecer.,,



LC OLIV

     

terça-feira, 14 de julho de 2020

     ... A noite foi longa em virtude da sua ansiedade. Tinha combinado com o capitão que logo cedo se encontrariam para uma breve refeição no Abbey Road e em seguida, partiriam para as explorações num dos bairros mais exclusivos de Londres. Resolveram ir a pé e no caminho teve uma verdadeira aula sobre o bairro para onde  iam.
     Adotando um ar professoral, Hastings foi bastante formal na sua dissertação. E começou com um afetadíssimo, "meu caro amigo, Mayfair é um dos bairros mais exclusivos e chiques de Londres. Está localizado na área central da cidade, é demarcado pela Oxford Street (ao norte), Piccadilly e Green Park (ao sul), Regente Street (a leste) e o Hyde Park (a oeste). Endereço de lojas chiquérrimas, hotéis tradicionais, restaurantes estrelados, embaixadas de diversos países,  de moradores abastados e das galerias pelas quais deveremos passar hoje para dar continuidade às nossas investigações."
     Assim que chegaram à meca londrina, sentiu-se um tanto desconfortável, pois aquela dissertação  soou para si mais como uma breve e delicada advertência sobre a sofisticação da vida britânica para a qual os estrangeiros deveriam estar atentos e de alguma forma prontos para reverenciar. Pouco depois pararam em frente a uma majestosa construção vitoriana, onde se lia numa placa de bronze com letras góticas, Royal Gallery.
     Foram recepcionados por um impecável porteiro que ostentava um traje de gala, que os saudou abrindo uma imponente porta de ferro trabalhado com figuras mitológicas forjadas nas suas grades. Já nos primeiros passos dentro do estabelecimento, puderam sentir um agradável e suave aroma, que ele não soube definir. Foram conduzidos até à mesa de uma senhora com ar austero, os recebeu de forma bastante protocolar.
     O capitão se apresentou e mencionou ser sócio de Hercule Poirot, o que lhe valeu uma recepção um pouco mais calorosa por parte da circunspecta senhora, quando ouviu o nome do célebre detetive.
Ela mencionou conhecê-lo não somente pelos artigos dos jornais, como tinha conhecimento da galeria ter se valido dos seus inestimáveis préstimos na elucidação de um furto de uma obra de valor incalculável e que graças à sua perspicácia e tato, foi uma investigação coroada de pleno êxito.
     Uma vez quebrado o gelo, foram convidados para um chá, enquanto de uma forma bastante hábil o capitão expôs o motivo da visita. Tratava-se pois de um assunto de extremo sigilo, pois na verdade era uma tentativa de localização de um estrangeiro, sem que com isso tal investigação não deixasse de ser discretíssima.
     Em seguida ao relato de Hastings, ela chamou alguém pelo telefone, que chegou imediatamente. Era um senhor com uma aparência daquelas que jamais despertaria a atenção sobre si, de quem quer que fosse. Ouviu atentamente e pedindo licença, retornou cerca de meia hora depois com uma pasta. Assim que a depositou sobre a mesa, podia-se ver diversas fotos, que souberam que se tratava de alguns visitantes das últimas semanas. O sofisticado sistema de segurança além de câmeras, fotografava os visitantes por diversos ângulos, prevendo a possibilidade, mesmo que remota, de uma consulta posterior.
     A senhora explicou tratar-se de uma nova rotina imposta, desde o desagradável incidente do furto de uma tela valiosíssima e que felizmente fora recuperada por M. Poirot. Pelo volume podia-se estimar em torno de umas vinte fotos. Já estavam desanimados, quando na antepenúltima foto, lá estava a a funesta  figura do procurado senador. Conseguiram levantar mais algumas informações como os dias em que estivera ali, os horários, quais obras queria negociar e as cifras envolvidas nas possíveis negociações.
     Foram consultados se mesmo após a compra se poderia deixar as obras confinadas na galeria como se  ainda estivessem a venda e se surgisse alguma possível transação, como se daria a participação da galeria no negócio. Obtiveram o endereço que o senador havia fornecido e estranharam o fato de ele não fornecer nenhuma outra forma de contato, como um telefone.
     O local era um hotel nas imediações de Charing Cross, para espanto dos dois, pois estavam muito próximos do Abbey Road e com um pouco de sorte poderiam até tê-lo encontrado em suas andanças pelas cercanias daquele movimentadíssimo ponto da cidade.
     O gerente do estabelecimento, foi muito prestativo em suas informações. Reconheceu o hóspede pela foto fornecida pela galeria de arte. Um tanto assustado perguntou se era algum criminoso procurado pela Yard. Informou que percebeu de imediato tratar-se de um estrangeiro pelo péssimo inglês com sotaque americano com que falava. Era meio furtivo nos gestos como se estivesse se escondendo. Sempre que saia, o fazia com cautela, olhava no entorno e quando retornava, agia da mesma forma. Ficou hospedado uma semana e pediu o nosso número dizendo que ligaria nos dias seguintes para saber se tinha sido procurado. Chegou a deixar uma soma em dinheiro para esse favor.
     Os dois investigadores deixaram com o gerente do hotel um cartão de Hastings e saíram um tanto frustrados, mas ainda assim esperançosos, pois agora já sabiam que ele estivera  nas imediações e que com um pouco de sorte e discrição, poderiam obter mais alguma pista sobre as suas andanças. Pouco depois decidiram por uma pausa para o almoço e durante a refeição, de comum acordo,  resolveram que podiam ir visitar Poirot, pois já tinham alguma coisa interessante a oferecer em termos de novidades...



LC OLIV

   

   


   

terça-feira, 23 de junho de 2020

     ... Após a sua higiene matinal, desceu revigorado e para sua surpresa quando chegou ao saguão do hotel, foi informado de que o capitão estava à sua espera. Este confortavelmente instalado a uma mesa, tomava um fumegante e perfumado café. Pediu um para o garçom e sentou-se querendo saber quais seriam as ações daquela linda e promissora manhã.
     A sua ideia inicial era de tomar a sua refeição no Abbey Road, mas sentiu-se meio sem jeito em tirar o seu companheiro daquele momento que dava mostras de estar muito satisfeito com relação ao local. A um chamado seu, decidiram ali mesmo com o garçom, qual seria o cardápio.
     Dessa vez aquela ideia do café da manhã igual ao que ele tinha visto num filme, onde um faminto inspetor de polícia devorava uma apetitosa refeição matinal, finalmente  se realizaria.  Ainda se lembrava das iguarias e acabou pedindo tudo igual. Abria com uma generosa xícara de café, torradas de pão de forma, dois ovos com gemas moles e bacon, e dois gomos de linguiça bem torrados.  O capitão que acompanhava o pedido,  com entusiasmo pediu um igual. Ao final para fecharem tudo, pediram mais um pouco de café.
     Saíram da mesa pesados e com aspecto de satisfação estampado no rosto. Já na balcão da recepção, utilizaram o telefone do hotel para um contato rápido com o Poirot,  a fim de de uma possível orientação. A resposta do detetive não foi das mais animadoras. Foi com impaciência que ouviu uma reprimenda, embora polida, ms ainda assim, uma reprimenda. A sua voz soava um tanto estridente ao telefone quando disse de forma taxativa, que já trabalhavam juntos por anos e que já era mais que oportuno que seguisse uma linha de investigação a partir de suas próprias conjecturas. A sugestão final o irritou profundamente, pois de alguma forma odiava aquela recomendação. "Hastings, ordem e método, use as celulazinhas cinzentas e tudo lhe parecerá extremamente simples."
     Sentindo-se um tanto desconfortável, tentou seguir as recomendações do seu irritante e repetitivo mestre, mas não atinava com um começo, para ele por mais que Poirot mantivesse alguma expectativa de alguma ação de sua parte, não tinha a menor ideia de por onde recomeçar.
     Lembrando-se do Inspetor Japp, dirigiu-se para o centro, mais especificamente para os quarteirões onde os diamantes fervilhavam nas mãos dos discretos joalheiros. Por volta do horário do almoço, já tinha inquirido uns dez proprietários que desconfiados e receosos com as perguntas,  evitavam qualquer informação que pudesse os comprometer e com isso inviabilizando qualquer progresso.
     Um tanto decepcionados, optaram por um uma refeição rápida ali pelo centro mesmo, para recomeçarem a infrutífera peregrinação. Era desolador e de certa forma estavam começando a perder  as esperanças de localizarem ou até mesmo de conseguirem uma informação por menor que pudesse ser, no sentido de se colocarem no rastro de um possível e suspeito comprador de gemas.
     Pelo meio da tarde, conseguiram a muito custo com que um joalheiro, lhe dessem a informação de um especulador que havia estabelecido uma pré compra de uma razoável quantidade de gemas. Não tinha mais informações, pois o seu estabelecimento servira unicamente como um ponto para a negociação e que de acordo com a tradição, aguardaria o retorno do vendedor para a remuneração de praxe nesses tipos de transações.
     Essas operações eram revestidas de um absoluto sigilo, eram feitas numa base de estrita confiança entre as partes, sem que nenhum documento como , contratos, notas de venda eram necessários, até mesmo para evitar fiscalizações das autoridades com o seus odiados tributos. A tradição através dos séculos tinha consagrado o comércio dessa forma.
     Ainda esse mesmo joalheiro, mencionou que no único contato que teve com o tal comprador, esse o havia consultado sobre a existência de algum catálogo com a relação das galerias da cidade. Esperançoso com essa nova informação, tentaram obter uma descrição fisionômica do tal estrangeiro, exasperaram-se com as evasivas do informante que deixava clara a sua intenção de não se envolver em algo ilegal. Numa tentativa de intimidação, mencionaram a possibilidade de ter que passar essas mesmas informações para algum inspetor da Yard, o que de alguma forma poderia lhe trazer alguns inconvenientes, até mesmo a possibilidade de uma severa auditoria  em seus livros.
     Diante dessa possibilidade, o comerciante, descreveu o homem com riqueza de detalhes, não deixando nos dois nenhum tipo de dúvida Convencidos de que era quem estavam procurando, ao se retirarem, acalmaram o trêmulo joalheiro com relação a qualquer tipo de visita oficial, principalmente das autoridades fiscais.
     Acordaram não revelar as suas descobertas, afinal as celulazinhas cinzentas não eram um privilégio exclusivo do pequeno belga e levariam adiante as suas ações. Naquela noite jantariam no costumeiro Abbey Road, que a essas alturas estava se tornando o seu Q.G...  certamente tinham muito o que confabular para o dia seguinte com uma inesquecível incursão por Mayfair em Westminster, um local emblemático e mágico de Londres, onde se encontravam as mais sofisticadas galerias de arte...



LC OLIV
   











sexta-feira, 5 de junho de 2020

     ... Durante aquela solene refeição, enquanto comiam, ouviram atentamente o inspetor chefe Japp. Este relatou que estivera rodando pelo "centro das gemas", era como se referiam ao setor mais antigo da cidade, onde anciãos de quipá, circulavam cuidadosamente pelas estreitas ruas, entrando e saindo de antigas joalheiras.
     Estas na sua maioria, além do espaço reservado para pequenas e antiquíssimas vitrines que compunham a loja formal, onde eram exibida peças mais convencionais, tinham sempre um recinto  reservado para a comercialização das chamadas  "obras de arte", invariavelmente raríssimas e caras. Ali também, rituais de compra e venda de gemas, onde os especialistas avaliavam as peças. Os diamantes normalmente eram submetidos  a  olhos infalíveis. Tal ritual  era marcado por um solene e estranhíssimo aperto de mão entre os protagonistas. Esse cumprimento selava a operação, cuja seriedade dos contratantes era mais valioso que qualquer documento assinado.
     O inspetor chefe e seus agentes andaram discretamente interrogando no sentido de tentar obter alguma informação acerca de algum estrangeiro que estivesse interessado em investir altas somas em gemas, das confinadas em Amsterdan para futuros resgates. Muitos desses respeitáveis senhores de quipás e peiotes, se dedicavam a essa centenária forma de comercialização.
     Enquanto conversavam e trocavam suas impressões, via com grande prazer, o apetite como todos degustavam aquelas iguarias. Sem que se desse conta, num flash back, rememorou prazeirosamente as cenas de um filme inglês, onde um inspetor devorava um típico cafe da manhã inglês, em seu gabinete. Tal cena estava tão viva em sua memória que chegou a ter dificuldade em retornar para a sua realidade, tamanha semelhança dos momento vividos.
     Recebendo a incumbência e algumas diretrizes do próprio inspetor, iriam na parte restante do dia, empreender algumas visitas a galerias de arte. A um pedido do inspetor, pouco depois uma robusta e rubra secretária entrou no gabinete trazendo consigo  uma relação de endereços. Terminado o chá, todos se levantaram um tanto preguiçosos, de posse dos  roteiros para cumprir as suas missões.
     Começaram para suas visitas por algumas galerias do Soho. Com o capitão acabou aprendendo um pouco sobre algumas escolas, como os impressionistas, a acidez de Van Gogh, a luminosidade de Picasso e aquela coisa meio chata e murcha de Dalí. Acabou confessando meio constrangido a sua ignorância sobre os mestres ali citados e vistos.  Notava-se na fisionomia do capitão a satisfação pela falta de conhecimento do estrangeiro que lhe permitia comentários professorais de alguém habituado a esses assuntos.
     A justificativa de Eice, acabou por virar como uma contraofensiva a seu favor, quando disse que as suas preferências estavam nos mestres do renascimento. A simples menção de nomes como  Leonardo da Vinci, Miquelangelo, Rafael Szanzio e outros, colocou o seu companheiro numa  situação de claro constrangimento, face à sua falta de intimidade com as obras desses imortais.
     Deram-se conta do anoitecer pela chegada do indefectível fog que por sinal era mais denso naquela época do ano. Por sua iniciativa, resolveram passar pelo apartamento de Poirot para jantar e por sugestão de Hastings, ceariam no Abbey Road. Pouco depois deram com o detetive atando o nó de sua gravata junto à sua escrivaninha. A julgar pelo suave aroma do perfume que inundava o ambiente, deu para concluir que estava nos toques finais de sua toillete. Era incrível como tudo naquele homem era extremamente estético e elegante.
     O pequenino detetive aceitou entusiasticamente ao convite e a caminho, ainda dentro  do táxi, assumiu a condição de anfitrião. Assim que desembarcaram, entraram e o som agradável da sinete, anunciou a chegada do trio. Foram recepcionados e encaminhados para a mesa que costumavam usar. A saudação amistosa do maitre demonstrava que se conheciam de longa data.
     Como não poderia deixar de ser, a escolha do menu recaiu sobre o gourmet do grupo. Poirot optou por uma sopa de frutos do mar, tendo como  prato principal um suculento peixe de carnes brancas,  acompanhado de salpicão com pedaços minúsculos de camarão e tiras bem desfiadas de lagosta. Para  beber,  um vinho verde português, finalizando com licores em lugar da sobremesa. Durante o jantar discutiram de forma amistosa as iniciativas que estavam em curso. Poirot ouvia aos dois com muita atenção e já na fase dos licores, fez algumas sugestões a ambos, mas se recusou comentar as suas ações daquele dia, uma vez que colaborava de forma central na investigação.
     Depois dos cafés, o detetive e o capitão resolveram acompanhá-lo até o seu hotel. A caminhada foi agradável e logo chegaram ao seu destino. Na recepção pediram um táxi que pouco depois chegou. Despediram-se  e pouco depois atirava-se pesadamente em sua cama, onde teria uma noite com sonhos recheados de investigações, camarões, mexilhões e aquele saborosíssimo licor de laranja.
     Pela manhã acordou revigorado e muito otimista com o rumo das coisas. Tinha absoluta certeza que o sucesso de sua missão era questão de tempo, principalmente pelo gabarito das pessoas envolvidas...




LC OLIV


   



sexta-feira, 15 de maio de 2020

     ... Antes de deixar o apartamento do detetive, combinou com o seu agora parceiro, a discussão das ações que pretendiam levar a cabo em suas diligências. Ambos concordaram que o melhor seria discutir tudo, durante o almoço que pretendiam ser no Abbey Road, que aos poucos foi se tornando um velho conhecido para ele. A prova é que à sua chegada, foi cordialmente cumprimentado pelo maitre que o saudou pelo nome e em seguida levou-o  à sua mesa preferida. Em mais uma alusão à familiaridade do pessoal do restaurante, o metre indagou se o capitão viria.
     Não demorou nem cinco minutos e ouviu a voz do capitão próximo à mesa. A saudação como sempre, protocolar com um impessoal aperto de mão. Apesar de conhecer os hábitos britânicos, aquilo de uma certa forma o incomodava. Uma vez instalados, a escolha do cardápio recaiu numa sugestão do atencioso maitre.  Assim que os pratos chegaram, percebeu o quanto fora feliz em aceitar a sugestão. Era um linguado grelhado coberto por um molho de aspecto convidativo. Era composto de um cozimento de carne desfiada de caranguejo, com pedaços de camarão e um combinado de tiras finas e macias de pimentão verde e pedaços de tomate com grossas e desidratadas fatias de cebola, com delicadas pitadas de orégano. Acompanhando essa iguaria, um arroz salpicado de pequenos pedaços de coração de alcachofra, regados no azeite. Para beber,  escolheram um vinho branco ligeiramente resfriado. Depois da ceia, declinou educadamente da sobremesa, pois não gostava de arroz doce.
     Após a refeição, sentiu-se um tanto entorpecido pelo efeito do vinho. Durante o café,  confabularam calorosamente as ações que iriam empreender dentro de pouco tempo.
     A refeição foi muito agradável e já estavam no café e algo um tanto curioso chamou a sua atenção. Era de um pais produtor de café, no entanto aquele que estavam tomando era diferente de tudo que já tinha experimentado em seu país. Terminada a refeição, ganharam a rua e se deixou levar pelo que além de conhecer todos os recantos da cidade, tinha também a facilidade do idioma e nesse ponto passou a ser um auxiliar.
     Vagaram por muitas ruas sem um destino aparente. Entraram em vários estabelecimentos, um deles para o seu prazer, foi aquela livraria que estivera dias antes. O dono o reconheceu e com um sutil gesto de cabeça deu a entender que lembrava dele. O capitão examinou cuidadosamente as prateleiras, folheou alguns exemplares, fez alguns comentários sobre as obras, questionou o proprietário sobre os best selllers e com isso acabou colocando algumas perguntas muito sutis sem o que o seu interlocutor percebesse a sua real intenção.
     Ao final o capitão satisfeito com as respostas obtidas, acabou escolhendo uns três volumes para comprar e um deles lhe despertou um especial  interesse  pelo título, "Roteiro pelos jardins da Inglaterra". De volta à rua, sabendo que estavam em Chelsea, poucas quadras depois, entraram em joalheria. Foram recepcionados por um senhor extremamente polido e a julgar pela forma como os cumprimentou, era conhecido do capitão.
     Respondia calmamente às perguntas e num dado momento indagou se estavam ali como compradores ou a serviço do pequenino belga. Tomado de um ligeiro rubor, acabou confessando que estavam seguindo instruções do "boss". Em seguida continuaram o pequeno tour pelo bairro e já próximos das 5 horas, por sugestão do próprio Hastings, se convidaram para um chá no gabinete do inspetor-chefe, mesmo correndo o risco de não encontrá-lo.
     Sem muita espera, embarcaram num taxi. Antes mesmo que fosse indagado sobre para onde iam, o capitão com uma  única e lacônica palavra, indicou a Yard.  No caminho sentiu-se observado pelo motorista através do retrovisor, cujo olhar mostrava a sua curiosidade. Cerca de dez minutos depois, estacionavam em frente a um edifício austero, de tijolos aparentes, todos escurecidos pela ação do ar marinho. Tinha janelas altas sem venezianas. As portas de entrada em arco, davam um aspecto medieval à construção. No patamar de entrada dois  gárgulas mal encarados com aspecto demoníaco, guardavam, um de cada lado,  o acesso ao local.
     Foram conduzidos por um oficial fardado a um posto de identificação e posteriormente conduzidos ao andar de cima. Subiram por uma escadaria de mármore larga, com corrimões de madeira e colunas de bronze reproduzindo cabeças de figuras que não soube identificar. No final, duas saídas para direções opostas com longos corredores. No fundo, mais uma mesa com um oficial que os conduziu ao gabinete de Japp.
     Por sorte acabaram por encontrá-lo, pois acabara de retornar de uma rápida investigação de um outro caso, que misteriosamente, acabou fazendo conexão com relação ao senador, o que era bastante promissor para um início de delicadas investigações. Durante essa sua incursão, conversando com um conhecido rabino, negociante de diamantes, acabou sendo informado de um estranho, estrangeiro, que estava interessado na compra de diamantes, mas com a condição de que fossem mantidos em confinamento em Amsterdan. Este misterioso comprador, não deixou nome, nem o hotel onde estava hospedado, o que gerou uma certa desconfiança no velho mercador, restando uma tênue esperança nos investigadores, sobre a possibilidade de ser o senador que procuravam.
     Foram interrompidos, por uma senhora volumosa e com cara mal humorada, que entrou na sala com um carrinho, onde se via bules, pratos e talheres, além de uma variedade de delícias, indicando que o obrigatório chá das cinco estava para ser servido. A visão das iguarias estimulou tanto o seu apetite quanto a curiosidade, pois quase não conhecia nada do que estava sendo servido.
     Seguindo as primeiras escolhas do capitão, se deliciou com a madalena, em seguida o seguiu nos petit fours e nos amanteigados. Um tanto envergonhado repetiu mais uma madalena e finalizou com um saborosíssimo chá. Naquele instante entendeu porque davam tanta importância para algo que se parecia um evento solene e realmente era, ainda mais num país que se notabilizava por cultuar as suas instituições e tradições...




LC OLIV




   
   

terça-feira, 28 de abril de 2020

     ..... Apesar do cansaço, a excitação que ainda sentia retardou  em muito o seu sono. Perdeu a conta de quantas vezes rememorou aquele jantar. As lembranças iam desde o momento que chegou ao prédio, a subida eletrizante pelo elevador até o quinto andar, a chegada ao apartamento. A convicção de que o número 53 a partir daquele dia seria o seu número mágico. O perfume do ambiente, o piano com os acordes de  Debussy, a recepção e a sucessão de tudo o que viria até a despedida para o  retorno ao hotel.
     Revirava-se sem trégua na cama até  que por fim acabou adormecendo. Foi um sono pesado e ao mesmo  tempo agitado. Ás primeiras horas da manhã, despertou assustado com receio de ter dormido muito. Acalmou-se quando se deu conta de que dispunha de algum tempo para ainda permanecer descansando. Ainda assim, preferiu se levantar e fazer o seu asseio sem atropelos. Barbeou-se com muito capricho, em seguida tomou um longo banho e escolheu um terno muito elegante na sua cor preferida. Afinal tinha que se esmerar, pois dali  há pouco estaria, na presença de uma das pessoas mais elegantes que já  tinha tido a oportunidade de conhecer.
     Uma vez pronto, desceu para o restaurante do hotel, comunicou que estava aguardando a chegada de uma visita e dirigiu-se para uma das mesas onde pediu uma xícara de café puro. Cerca de vinte minutos avistou o capitão chegando. Este com os cabelos ligeiramente molhados, tinha o rosto um tanto rubro denotando um certo exagero no barbear. Tomaram mais um café e pouco depois deixaram o hotel rumo ao memorável  Whitehaven  Mansions.
     No caminho mais uma vez, pode observar embevecido as vivendas ao longo do trajeto, já com uma certa intimidade. A chegada foram  mais uma vez recepcionados com mesuras dos funcionários que fizeram questão de acompanhá-los até o elevador. Ao toque da campanhia, foram recebidos pela secretária que exibiu um sorriso discreto, indicando que era bem vindo, algo raro num inglês principalmente em se tratando de estrangeiros.
     O anfitrião já estava à mesa, dando os costumeiros retoques segundo os seus caprichos estéticos. A mesa estava farta e com aparência  convidativa.  Uma mescla agradável de vários aromas, para o apetitoso desjejum. Poirot degustava croutons com um queijo cremoso acompanhado de uma exótica xícara de café. Já o capitão e a secretária, ambos ingleses, não dispensaram os ovos com bacon, acompanhados de crocantes torradas com manteiga.
     Durante a refeição, conversaram animadamente sobre amenidades, algumas delas para satisfazer a curiosidade dos presentes com relação ao país tropical de onde viera. Respondia com cortesia, mas se sentiu um tanto incomodado, pois ficou com a impressão que o viam como a uma atração exótica, tal qual num parque de diversões.
     Já ao término, a secretária se levantou para telefonar para o inspetor chefe da Yard. Retornou informando que dentro de no máximo uma hora, ele estaria presente para a reunião. Britanicamente pontual, o inspetor chegou. Era um tipo alto, claro, com cabelos meio arruivados, um olhar penetrante que combinava com um queixo meio quadrado e que lhe davam um  aspecto não muito inteligente.
     Este após os cumprimentos de praxe, aceitou de bom grado uma xícara de café e enquanto sorvia a  aromática bebida, de forma dissimulada o observava atentamente.
     O anfitrião pomposamente expôs todo o caso e as vezes confirmava com Eice alguma informação, mais por cortesia. Em seguida o inspetor fez algumas perguntas para ambos e cuidadosamente anotava tudo num pequeno bloco com capa  de couro preto que ostentava um enorme Y gravado na cor dourada.
     Assumindo o comando da conversa, o pequeno detetive, sugeriu a todos algumas tarefas preliminares e combinou que todos ao final da tarde, deveriam se reunir ali para trocarem suas impressões. O inspetor chefe disse que iria destacar dois de seus homens para as investigações de campo. As que cabiam a Eice, por sugestão de Poirot, seriam levadas a cabo com a colaboração do capitão Hastings. Com escusas a todos, o inspetor se retirou porque tinha em curso uma importante investigação em fase final, que dependia de suas instruções para colocarem as mãos sobre um contrabandista de diamantes.
     A caminho do hotel, sentia-se reanimado e profundamente otimista com relação ao seu objetivo maior e já antecipava mentalmente o seu  triunfo e as consequências que tudo isso iria permitir...



LC OLIV
   

sexta-feira, 3 de abril de 2020

     ... Atendendo a um cerimonioso convite do anfitrião, todos se prepararam para o esperado banquete. Desnecessário seria dizer que num ambiente tão estéreo como aquele, que todos procurassem onde lavar as mãos. Foi conduzido gentilmente pelo capitão a um lavabo. Apesar de ser um espaço reduzido, era arejado, claro e recendia à mesma fragrância que perfumava todo apartamento. As toalhas caprichosamente colocadas no gabinete, eram de um branco que ofuscava. Com receio de respingar água no chão imaculadamente limpo, abriu ligeiramente a torneira e servindo-se de um sabonete líquido, cujo odor que  não soube identificar, parecendo-lhe algo doce, acabou rindo do seu impulso meio absurdo, o  de provar o  seu sabor.
     Enxugou-se vagarosamente e com muito cuidado tentou recolocar a toalha na mesma posição em que a encontrara. Finalizou se olhando no espelho, onde retocou o cabelo com as pontas dos dedos, ajustou a roupa e não muito satisfeito com a imagem, retirou-se em direção à sala de refeições. No curtíssimo espaço que percorreu de volta, conseguiu pensar no surrealismo daquele momento mágico, que jamais um dia poderia imaginar viver.
     O local reservado para as refeições, estava num plano superior ao da sala de estar, uns três degraus acima, num amplo espaço. Na entrada, nas laterais,  dois grandes vasos com esculturas em alto relevo, lembrando segundo acreditou serem figuras mitológicas que não soube identificar. Foi recebido pelo pequeno detetive de forma muito calorosa e sentiu-se meio desconcertado quando foi conduzido a uma das cabeceiras da mesa. O gesto era de cortesia, dava conta do apreço com que estava sendo recebido, acabou misturando inibição com orgulho.
     A disposição dos pratos, talheres, taças e guardanapos, causo-lhe um certo temor, pois  não estava habituado a ambientes refinados e naquela noite debutava na mesa de jantar de ninguém menos que Hercule Poirot. Após acompanhar a acomodação de todos, ocupou a outra cabeceira da mesa e num gesto algo teatral, soou uma graciosa sineta, poucos segundos depois, George entrou e dirigindo-se respeitosamente ao seu amo, aguardou meio curvado as solicitações. Retirou-se quase invisível para retornar pouco depois trazendo uma enorme travessa que além de fumegante, exalava um aroma extremamente apetitoso. Depois de algumas indas e vindas, finalizou trazendo três garrafas de um vinho da carta pessoal de Poirot. Era um beaujolais  safra de 15 anos, importada da França, no sul da Borgonha, produzido num  vinhedo de um antigo amigo.
     Enquanto as iguarias eram trazidas para a mesa, o anfitrião abriu uma garrafa de vinho e após servir  os presentes, propôs um brinde um tanto insólito, fazendo menção das celulazinhas cinzentas, que todos sabiam a quais se referia.
     Em seguida, serviram-se como abertura, de croutons com caviar, enquanto o eficiente George servia os pratos. Foi nesse momento que se sentiu um tanto embaraçado com a grande quantidade de talheres e de diferentes tamanhos. Ficou em dúvida se começava da direita para a esquerda ou ao contrário. Acabou embarcando na sequência do capitão,  tentando dissimular a sua falta de hábito.
     O detetive com um guardanapo em torno do pescoço, comia com grande  apetite, alternando com pequenos goles do vinho. Foram servidos os mexilhões com batatas fritas, seguidos dos tomates aux crivettes que ele tanto queria saber do que se tratava. Para o seu grande prazer, eram enormes camarões num molho de tomates e mais alguns ingredientes que não soube identificar divinamente temperado e acompanhado de um arroz com ervas finas.
     A ceia transcorreu num clima agradável, todos davam vivas mostras de satisfação e como diria o pequenino belga, um dos maiores prazeres que se podia ter na vida, o de saborear finas iguarias na companhia de pessoas queridas. Já no final, foi erguido mais um brinde, dessa vez em homenagem às grandes amizades.
     Em seguida George entrou com uma enorme travessa, tendo  no cento, um enorme e atrativo pudim de passas. Era de  um tom bege, repleto de passas entranhadas e muita calda. O sabor era difícil de se explicar, mas algo misturado de caramelo com minúsculos pontinhos de fava de baunilha.
     Sentiu-se constrangido em repetir, mas acabou se arrependendo. Terminado o banquete, voltaram para a sala de estar, onde seria servido um perfumado café expresso. Nesse momento Hastings tomou a palavra e passou a fazer um breve relato do motivo da presença de Eice em Londres, após o que o detetive quis ouvir do próprio convidado, um detalhamento minucioso do caso.
     Eice foi ouvido com muita atenção por todos e notava no detetive expressões de satisfação. Após discorrer sobre tudo, onde enumerou os fatos mais importantes de forma a parecer um relatório, ouviu um comentário altamente elogioso sobre a sua apresentação. "Está vendo Hastings? .Como sempre digo, tudo é uma questão de ordem e método."
     Após uma breve análise, pediu para sua secretária que tentasse agendar com o Inspetor Chefe Japp da Yard, uma reunião  para a manhã seguinte,  a fim de tomar  conhecimento de tudo que fora relatado. Em seguida a conversa tomou rumos mais amenos, onde acabou falando do seu país para os presentes e no final respondeu a uma série enorme de questões, satisfazendo a curiosidade de todos sobre uma cultura um tanto diferente e porque não dizer, exótica para eles até pela falta de informações mais precisas.
     Terminado o jantar e com o avanço das horas, se despediram e foi  gentilmente acompanhado pelo capitão ao seu hotel. Assim que chegaram e a convite do seu acompanhante, dirigiram-se para o bar contíguo ao salão de refeições onde tomaram  um drink. Ele um licor de laranja e o seu companheiro, um indefectível scotch com água. Despediram-se  e ele subiu para o seu quarto, com a certeza absoluta que aquela noite mágica, seria para rememorar e contar para os amigos o resto de sua existência...



LC OLIV




   

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

     ...Após os efusivos cumprimentos totalmente fora dos padrões da compostura britânica, Poirot cerimoniosamente o conduziu,por um  corredor repleto de quadros, alguns deles lembrando cenas típicas do renascimento. Passaram por pequeno console onde uma salva  de prata estava repleta de frutas.
     O pequenino anfitrião, parou e reordenou a posição dos perfumados pêssegos de maneira a tudo ficar esteticamente ao seu gosto. Já no final do trajeto, entraram num  amplo salão onde pode notar a perfeição na divisão dos ambientes.
Era um amplo, arejado e iluminado espaço, abrigava uma agradabilíssima sala de estar com um conjunto  de estofados do modelo chesterfield, num tom de azul que não soube definir. Num patamar um pouco mais alto, três degraus mais precisamente, uma sala de jantar com uma imponente mesa de madeira de tom escuro, com pés primorosamente trabalhados com figuras que  não  soube definir o que eram, mas lhe pareceram ser figuras mitológicas.
     As cadeiras num número de seis, tinham espaldares altos e braços para apoio também entalhados. Os assentos tinham o mesmo tom de azul dos estofados. Era visível o refinamento e o bom gosto. Finalizando, num amplo espaço  na direção da janela, o gabinete de trabalho.  Na grande escrivaninha, tudo meticulosamente colocado. Desde a agenda de notas, o tinteiro, o mata borrão e o conjunto de canetas. A um canto, um aparelho de telefone na cor marfim,  estrategicamente  colocado de modo a não interferir na disposição dos outros objetos. No outro extremo um delicado abat-jour bege.
     Era ali naquela mesa que parecia uma tela, onde  tudo estava  disposto de forma harmônica e graciosa, que o grande detetive desvendava os mais intrincados casos. Por trás de sua confortável cadeira, cortinas de um branco incomum esvoaçavam ao sabor de uma fresca brisa.
     A visão que se tinha da praça do do alto do quinto andar,  era algo muito curioso. As alamedas calçadas com pedras, formavam um desenho geométrico, compondo com os jardins primorosamente cuidados, um conjunto que agradaria qualquer um que tivesse um sentido estético apurado.
     Após conhecer an passant, as dependências daquele santuário, foi cerimoniosamente conduzido por Poirot à cozinha, onde preparava algo que exalava um aroma fantástico, que aguçava tanto o seu paladar quanto a sua curiosidade. Enquanto mexia em algumas panelas com um colher de madeira, era possível perceber a sua obsessão pela ordem. Tudo que seria utilizado no preparo daquela ceia, via-se disposto de forma exageradamente simétricae colocados numa bancada ao lado. Aproveitando o momento discorreu sobre as iguarias, suas origens e a receita de acordo com as suas origens.
     Tratavam-se  de iguarias da culinária belga. Começando pelos mexilhões com batatas fritas, acompanhados de tomates aux crevettes e arroz com fines herbes. Para beber, escolheu de sua adega, algo especial  para a ocasião, um beaujolais safra de quinze anos. Finalizando com uma  sobremesa algo britânica, um  tradicional pudim de passas, que Poirot aprendera apreciar desde que fora convidado para passar um natal em casa de amigos e conhecer as tradições inglesas para as festas natalinas.
     Após a breve visita à cozinha, retornaram  para a sala de estar, onde o próprio detetive os serviu de um petit drink, uma espécie de  aguardente, que segundo ele,  era uma receita especialíssima e artesanal, com uma fórmula desenvolvida por membros de sua família e que alguns parentes o enviavam da Bélgica.
     Enquanto conversavam, pode observar de forma bastante dissimulada, tudo ao seu redor e para sua satisfação, tudo seguia um padrão estético rigoroso, onde nada se encontrava fora do seu lugar. A harmonia era absoluta tanto com relação a tamanhos, quanto aos formatos. A essência delicadamente perfumada permanecia no ambiente sem se dissipar. Em meio às amenidades, o capitão Hastings mencionou o motivo de vinda do convidado para Londres, ainda sem terminar, foi interrompido educadamente pelo polido anfitrião, que justificou o momento que deveria ser dedicado  às papilas gustativas e aos prazeres de uma degustação e que o  exercitar as "celulazinhas cinzentas", certamente viriam após a ceia.
     Nesse momento, George o valet, elegantemente vestido,  se aproximou e de forma bastante cerimoniosa com uma  mesura, pediu permissão para servir o jantar...



LC OLIV

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

     ... Assim que deixaram o hotel, dobraram à esquerda. A julgar pelas pequenas rajadas de vento que varriam as calçadas espalhando folhas secas, com certeza estavam no outono, a sua estação preferida. Nem muito frio e muito menos aquele calor sufocante e anti-higiênico do verão. Além disso, era a estação que ele chamava de meia luz onde tudo era mais aconchegante e confortável, desde o cardápio até o vestuário. Na sua opinião, tudo era melhor.   Apesar da euforia, nada passava despercebido ao seu atento olhar.
     Já na  quadra seguinte, passou a observar a arquitetura, numa mescla de estilos, desde o indefectível vitoriano até o art nouveau, Ficou vivamente impressionado com o espetáculo, verdadeiras obras de arte, sem mencionar os jardins, lembrando telas impressionistas ao vivo. Tudo muito florido e cuidado com extremo capricho e bom gosto.
      Outra coisa que chamou a sua atenção, eram os nomes das residências, algo meio exótico, desde os de família lembrando o culto aos clãs, chegando a nomes de batalhas de campanhas militares nos confins do império, algo  meio ufanista típico do orgulho inglês. Estava realmente eufórico, embora aparentemente impassível,  o capitão com ar de plena satisfação dava mostras de regojizo pelo impacto do seu acompanhante com as belezas quotidianas britânicas. Esse percebendo a sua reação por tudo que desfilava diante de seus olhos,  orgulhosamente adotou uma postura de guia  explicando professoralmente, todas aquelas maravilhas, até então inusitadas para ele.
      Pouco depois, ao virarem uma rua pode deparar com a tão esperada praça. A Trafalgar  Squire, era um local amplo, totalmente arborizada com espécies das mais variadas, algumas de copas densas, ideais para abrigar os pássaros. Por se aproximar o crepúsculo, o barulho do grande número de pássaros em busca de abrigo era  agradável, podendo se ver vários deles pulando pelos galhos à procura de um canto mais acolhedor para mais uma noite.
     Era totalmente cortada por alamedas limpíssimas e junto aos jardins, mesas de alvenaria com tabuleiros desenhados destinados para os aficionados de xadrez, aliás um jogo extremamente apreciado naquele país. Não demorou muito, pode divisar no extremo oposto de onde estavam numa linha reta, o imponente e majestoso prédio, destino final dessa caminhada.
     À medida que se aproximavam, experimentou uma sensação de euforia que chegava  afetar a sua respiração.  A contração do plexo foi tão grande, que  sentiu a calça se afrouxar um pouco na cintura,  a garganta ressecada.
     Chegando na calçada fronteiriça do prédio, pode ler o seu nome encimando a porta de entrada com letras góticas, Whitehaven Mansions. Para ele era como se estivesse  às portas de um templo sagrado,o que de uma certa forma não deixava de ser verdade, pelo meno para ele. O capitão fora reconhecido pelo porteiro que ostentava um porte marcial, trajando um impecável uniforme com toques de roupa militar de gala, inclusive com luvas e numa respeitosa reverência,o recebeu.
     Perguntou se a ida à Cornualha tinha sido proveitosa, demonstrando saber de todos os passos da famosa dupla. Fez questão de acompanhá-los e abrir a porta do elevador. Foram cinco lances de subida onde experimentou um friozinho no estômago. Saíram por um corredor amplo ornado por vasos floridos.
     Ao chegarem ao apartamento 53, o capitão tocou a campainha e pouco depois, foram recebidos pela  secretária que lançou sobre ele um  olhar discretamente curioso. Sentiu-se envolvido por um  aroma de algo que não soube definir, mas agradabilíssimo e que julgou ser uma lavanda, muito provavelmente, francesa.
    Vindo  da sala de estar, os acordes inconfundíveis  de Debussy, reconheceu Clair de Lune. Foi nesse exato instante que surgiu o grande mestre,com os seus passinhos curtos e frenéticos, para recebê-los. Trajava por cima da roupa um avental imaculadamente branco com um monograma bordado no lado esquerdo, revelando a sua preocupação com a elegância, mesmo quando exercia os seus talentos culinários.Talento que por sinal dava mostras, a julgar pelo delicioso e totalmente desconhecido aroma que vinha da cozinha.
     Todo sorridente, saudou-o com uma mesura e um entusiástico "bienvenue monsieur Eicê"...




LC OLIV

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

     ... Após o desjejum, despediram-se na calçada, com cada um tomando o seu rumo. O capitão certamente iria para Whitehaven Mansions , onde um Poirot apreensivo, consultava o relógio a curtos intervalos  de tempo, sacando o precioso objeto de um elegante colete com gestos bruscos,  algo raro numa pessoa tão refinada. À sua chegada, o capitão foi recebido por um olhar fulminante e pouco amigável, para a sua sorte o mau humor ficou restrito a essa muda reprovação.
     Eice por sua vez, caminhou por várias quadras a esmo sem ter a noção do que pretendia. Faria qualquer coisa desde que resultasse no escoamento do tempo, pois tinha certeza que aquele seria para ele o mais longo dos dias. Ainda no meio do quarteirão, vislumbrou algo irresistível para os seus sentidos, uma livraria. Tratava-se de uma  antiga casa devidamente conservada. Na parte frontal, uma vitrine onde se via caprichosamente expostos varios best sellers dos mais variados assuntos e a um canto ocupando um espaço muito grande, aqueles que eram a sua grande paixão, os contos policiais.
     A parte interna do estabelecimento, apesar de simples era extremamente agradável, tendo ao fundo um senhor instalado numa enorme  e antiga  escrivaninha, toda em madeira entalhada, com vários volumes empilhados. O ambiente estava todo perfumado por um agradável  aroma de cachimbo. Durante a sua estada naquele lugar, sentiu-se voltando no tempo, pois fora criado dentro de um estabelecimento desses boa parte de sua infância e adolescência, cujo proprietário era o seu pai.
     Novamente na rua todo endorfinado, cogitou por um breve passeio de metro, mas desistiu da ideia assim que se lembrou da sua velha e inseparável companheira de longos anos, a "dona claustrofobia", que não via com bons olhos uma excursão inócua  pelos subterrâneos de Londres. Ainda segundo ela, um passeio sem paisagem era o mesmo que nada.
     Sem que se desse conta, acabou alcançando o Soho. Esse emblemático bairro, tinha os mesmos encantos de outro vizinho não menos ilustre, Chelsea que se alinhavam com a fantástica Gotham
     Esse emblemático bairro, tinha os mesmos encantos e mistérios de Chelsea e da mágica Ghotam, redutos  da contra cultura contemporânea.
      Extrapolando em sua análise, percebeu que a humanidade ao longo de sua existência, sempre teve cidades que de alguma forma se notabilizaram no contexto de suas épocas.
     Sem nenhum esforço surgiram rapidamente em sua mente nomes como Jerusalém, Bagdá, Alexandria, Roma entre outras tantas  como Moscou, New York, Paris sem esquecer a eternamente misteriosa e apaixonante Londres. Imerso nessas ilações acabou se desprendendo do tempo e ao consultar o relógio, percebeu que o tempo tinha escoado livremente fugindo do  seu controle.
     Rapidamente retornou ao hotel e tão logo passou pela recepção, indagou se o capitão estivera a sua procura. Subiu célere para o seu quarto e se dirigiu ao banheiro. Alguns minutos depois o telefone
soou no quarto. Tentou correr para atender e acabou caindo pois ainda não tinha vestido as calças, o que acabou provocando uma situação até certo ponto cômica, para não se dizer algo grotesca.
     Se desculpou com o capitão pelo inconveniente e o convidou para subir aos seus aposentos. Este por sua vez, declinou polida e britanicamente,  preferindo aguardá-lo no bar do térreo.
     Cerca de meia hora depois, ofegante encontrou com o capitão que ainda degustava calmamente um scotch e saíram calmamente para o tão esperado encontro. A ideia de que dentro de uns poucos minutos estaria pisando no sagrado chão de Chaterhouse Square, fazia com que tivesse uma forte aceleração nos batimentos cardíacos a ponto de suar nas mãos e nas têmporas...



LC OLIV



   
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segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

     ... Os dois dias se arrastaram absurdamente lentos. Tentou se ocupar com passeios a fim de tornar menos exasperadora a sua espera. Viu frustrada a  esperança de encontrar-se  com o capitão no Abbey Road no final da tarde. Sentia-se  um tanto deslocado misturado com  os frequentadores que se apinhavam junto ao balcão , onde ouvia-se  uma agradável balbúrdia de sons de copos se chocando, todos regados a muito scotch, , cerveja preta, com tudo e todos envoltos em  densas e perfumadas nuvens. de fumaça de cachimbo.
      O enorme balcão de carvalho mal era visto, encoberto por mãos ávidas e pesados cotovelos, num ir e vir frenético em busca de copos e canecas.
     Apesar de todos falarem ao mesmo tempo, todos se entendiam num agradável e típico fim de tarde londrino, cuja tradição acabaria sendo exportada para o mundo com o poético nome de happy hour.
     Decepcionado ao tomar conhecimento do comportamento xenófobo dos frequentadores que o repeliam com uma certa frieza e indiferença, quando constatavam a sua condição de estrangeiro. Mesmo assim, após alguns drinks sentiu-se mais a vontade e o decorrer das horas foi algo que lhe passou desapercebido. Assim que ganhou a calçada, notou que a noite já tinha chegado e as primeiras manifestações do famoso fog, já se faziam presentes, exigindo um pouco mais de cuidado da sua parte.
     Caminhando com um passo incerto e sentindo-se meio flutuante, chegou sem surpresas  ao seu hotel. Com alguma dificuldade e contando com o prestativo porteiro, passou pela confusa porta giratória que insistia em mudar de lugar. Já no quarto,  deixou-se cair pesadamente na cama sem se despir. O sono foi imediato e profundo, acordando no início da madrugada e sentindo-se muito mal. A cabeça latejava e a sensação de ressecamento era extremamente desagradável.
     Sem muita disposição acabou se servindo de muita água e umas poucas frutas sem gosto,  que tinha no frigobar dos seus aposentos. A procura por um analgésico acabou sendo mal sucedida e teve que se conformar  com uma incômoda dor de cabeça que só deu trégua no início da manhã. Após um longo banho , deixou o hotel revigorado e eufórico, pois aquele era o grande dia. A noite prometia ser inesquecível. Estava num estado tal de excitação que por muito pouco não foi atropelado por um taxi ao atravessar a rua sem olhar para os lados. A ira do motorista foi tamanha que se sentiu chocado ao perceber que os ingleses não eram tão educados e polidos como todos supunham.
    Assim que entrou no Abbey Road, foi avistado pelo capitão Hastings que lhe acenava vigorosamente em sua direção. Já devidamente instalado,  foi prontamente atendido pelo garçom e assim puderam conversar sobre o compromisso da noite. Ficou apreensivo quando soube que o capitão estava de saída para o interior, para atender um chamado na Cornualha, para investigarem a morte repentina de um magistrado, cercada de algum mistério e que acompanharia o grande detetive.
     Percebendo a sua preocupação, o capitão prontamente o tranquilizou, com relação ao retorno da dupla ainda no mesmo dia no final da tarde. Ressaltou que Poirot era uma pessoa extremamente meticulosa com relação ao cumprimento de seus compromissos. Há alguns dias vinha cuidando de todos detalhes para o preparo da ceia que seria servida naquela noite, desde a escolha do menu ao vinho e que ele mesmo acompanhava a  entrega das suas encomendas, checando a qualidade de tudo.
     Ficou combinado entre ambos de que tão logo chegasse a Londres, o capitão viria buscá-lo em seu hotel...



LC OLIV